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20ª CONFERÃNCIA INTERNACIONAL DE AIDS

28/07/2014 - Agência Aids

As populações mais afetadas

A cerimônia de encerramento da 20ª Conferência Internacional de Aids, nessa sexta-feira (25) foi marcada pelo reconhecimento de que, apesar dos esforços de todos os envolvidos na luta contra o HIV nos últimos 30 anos, há muito a ser feito ainda. A marca desse evento, realizado em Melborne, na Austrália, foi a atenção voltada para a doença entre as populações mais afetadas. Tanto que a Declaração de Melbourne, documento que registra o compromisso dos participantes na luta contra a aids, tem como tema "Ninguém deixado para trás”. Na plenária final, representantes de jovens, homossexuais e usuários de drogas fizeram discursos emocionantes.

O entendimento de que a recente onda de leis que criminalizam pessoas vivendo com o vírus, usuários de drogas injetáveis (UDI), profissionais do sexo e homens que fazem sexo com homens (HSH) é barreira para o controle da doença foi outro marco.

“Essas leis, além de representarem uma violação dos direitos humanos, ameaçam a resposta contra a aids", afirmou Chris Beyrer, novo presidente da Sociedade Internacional de Aids (IAS). Segundo Beyrer, apenas 4% dos UDI e 14% dos HSH que vivem com HIV têm acesso aos antirretrovirais. “Nós precisamos mudar isso. Até a próxima conferência, em Durban (África do Sul), temos de progredir muito e garantir o tratamento e a prevenção entre as populações-chave", disse ele.

Em seu discurso, Beyer assumiu ser homossexual e disse que, pela primeira vez, a entidade tinha um diretor gay. Amplamente aplaudido pelos participantes, o novo diretor da IAS garantiu que sua gestão está focada na defesa dos direitos humanos e na ampliação do acesso a medicamentos e serviços de saúde aos gays, UDIs, transexuais e adolescentes.

Françoise Barré- Sinoussi, antecessora de Chris Beyrer, comemorou a ampliação do acesso aos antirretrovirais, que atualmente está disponível para 14 milhões de pessoas. “Se nos mantivermos nesse caminho, vamos atingir o objetivo do Programa Conjunto das Nações Unidas Sobre Aids (Unaids), de atingir 15 milhões até 2015.” Ela, que é Prêmio Nobel de 2008, lembrou ainda a época, no final do século 20 e inicio do 21, em que os céticos afirmavam que o acesso universal aos antirretrovirais era apenas um sonho.

Sharon Lewin, presidente local da 20º Conferência Internacional de Aids, destacou a importância de adaptar a resposta à epidemia aos contextos locais.

“Precisamos reconhecer que não há uma fórmula única para deter a doença, é preciso dar respostas diferentes aos diferentes grupos”, advertiu a pesquisadora australiana.

África do Sul receberá próximo evento

A próxima Conferência Internacional de Aids será realizada em 2016 em Durban, na África do Sul. Vai ser a segunda vez que esta cidade sul-africana recebe esse evento. Na primeira, em 2000, quando foi realizada a 13ª conferência, o país ainda discutia se o HIV transmitia ou não a aids e não existia acesso aos antirretrovirais. Hoje, 14 anos depois, a realidade do continente africano é outra. “Cerca de 9 milhões, o que representa cerca de 56% dos soropositivos na África sub-saariana, recebem tratamento. Sabemos que os antirretrovirais, além de garantirem a vida de quem tem a doença, diminui a transmissão do vírus. Com isso, a região conseguiu diminuir em 25% as novas doenças na última década e teve uma redução de 32% na taxa de mortalidade”, comemorou Olive Shisana, médica sul-africana e diretora local da 21ª Conferência Internacional de Aids.

Apesar dos avanços, a região ainda tem muito trabalho pela frente, tanto no campo do tratamento quanto no da prevenção do HIV, como a ampliação dos direitos humanos das populações-chave. As leis que criminalizam os portadores do HIV e os homossexuais estão presentes em 35 países do continente. “Espero que a conferência ajude os políticos e legisladores a rever essa leis, pois só assim poderemos controlar a epidemia na região”, afirmou Shisana.

Tragédia do Voo MH17

A morte dos delegados no acidente aéreo do voo MH17 da Malasya Air Lines foi lembrado na fala de todos os palestrantes da cerimônia de encerramento. Segundo Sinoussi, a comunidade que luta contra aids mais uma vez demostrou habilidade em encarar adversidades e mostrou ao mundo que nada é capaz de deter a luta.

Ninguém deixado para trás

Violet Banda, representante do movimeto de jovens vivendo com aids, nasceu com HIV em Malawi. "Experimentei o estigma por toda a minha vida e não desejo isso para ninguém. A discriminação e a vergonha de quem vive com aids precisam acabar. Essa conferência é um marco na minha vida", declarou Violet. Ela disse que ficou claro no evento que a ciência sozinha não vai conseguir eliminar a doença. “Precisamos envolver a comunidade, principalmente os grupos mais afetados, nessa luta para acabar com o estigma e melhorar o acesso à prevenção e ao tratamento.”

John Manwarin, representante da comunidade gay soropositiva da Austrália, lembrou de um dos slogans do movimento que diz que o silêncio é igual a morte. "Nós somos muito mais fortes do que imaginamos. Neste exato momento, existe o poder da mudança no mundo”, afirmou Manwarin. "Quando aqueles que vivem com HIV assumirem a soroositividade e compartilharem suas histórias, nós vamos repelir o medo, o estigma e o ódio. Não tenha medo, seja você mesmo, se orgulhe. Compartilhe a sua história. Esse é o nosso momento. Juntos, nós vamos acabar com a aids."

Eliot Ross Albers, representante dos usuários de drogas, falou sobre os efeitos nefastos da política antidroga, que criminaliza os usuários de droga no mundo todo. "A guerra contra as drogas tem impulsionado abusos desenfreados de direitos humanos contra as pessoas que usam drogas, além de impactar negativamente na políticas de saúde e aumentar as novas infeções de HIV.”

IAS Presidential Award

Eric Goosby, embaixador global da aids, recebeu o prêmio presidencial da IAS na cerimônia de encerramento. O médico americano foi um dos pioneiros no tratamento de portadores do HIV no início dos anos 80, quando surgiram os primeiros casos de aids. Desde 2009, foi supervisor do Plano do Presidente do EUA para o Alívio da Aids (PEPFAR ), que destinou US% 45 milhões para o combate à doença em 10 anos.

Goosby dirigiu os esforços para impedir a transmissão vertical do HIV (de mãe para filho). Na cerimônia de premiação, foi lida uma carta de congratulação de Barack Obama, presidente norte-americano. No texto, Obama agradeceu o trabalho desenvolvido por Goosby na luta contra a aids.

O ganhador do prêmio falou sobre os avanços da ciência nas últimas três décadas e pediu atenção para a necessidade de melhorar o acesso aos antirretrovirais para os grupos mais afetados pela epidemia -- além das populações-chave, Goosby citou as crianças e os jovens. "Nós começamos um trabalho na década de 80 que vocês, jovens aqui presentes, devem continuar para se atingir uma nova geração livre da aids."

Marina Pecoraro, de Melbourne, Austrália
A Agência de Notícias da Aids cobre a Conferência na Austrália com o apoio do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais e do Programa Municipal de DST/Aids de São Paulo