Notícias

HIV E MEDICAMENTOS INJETÁVEIS

17/08/2016 - GIV

Medicamentos injetáveis de ação prolongada

Terapia de manutenção para o HIV: medicamentos injetáveis de ação prolongada funcionam bem

* leia a continuação deste artigo, informações sobre os resultados do cabotegravir injetável para PrEP

Resumo

Estudo LATTE-2: Dois medicamentos antirretrovirais injetáveis e de ação prolongada - cabotegravir e rilpivirina - administrados uma vez a cada 4 ou 8 semanas, mantiveram a supressão viral em pessoas que passaram para este esquema, depois de ter alcançado carga viral indetectável com outros esquemas.
Estes são os resultados de 48 semanas do ensaio LATTE-2 apresentados na 21ª Conferência International de AIDS (AIDS 2016), em Durban, África do Sul. Uma análise qualitativa relacionada mostrou que os participantes do estudo preferiram medicamentos injetáveis de ação prolongada aos tratamentos com comprimidos por várias razões.
Uma boa aderência continuada é a chave para o sucesso do tratamento do HIV, e medicamentos injetáveis de longa duração poderiam oferecer uma opção atraente para pessoas que enfrentam uma vida inteira de terapia antirretroviral (TAR). A desvantagem é que esses medicamentos não podem ser removidos do corpo, se ocorrerem efeitos adversos.

Introdução

David Margolis, da ViiV Healthcare, apresentou os resultados do estudo internacional LATTE-2, que avaliou um esquema de manutenção consistente em formulações injetáveis do inibidor de integrase experimental cabotegravir, da empresa ViiV, e o antirretroviral (já aprovado) rilpivirina. Este último é um ITRNN, ou inibidor de transcriptase reversa não análogo de nucleosídeo, cuja formulação oral é comercializada como Edurant, e participa nos tratamentos de pílula única de nome Eviplera ou Complera (junto com Tenofovir e Emtricitabina).

Para garantir a eficácia e segurança básicas desses medicamentos antes de testar as formulações injetáveis em seres humanos, o estudo inicial LATTE-1 avaliou cabotegravir oral mais rilpivirina em esquema de manutenção simplificado de dois medicamentos para as pessoas que tinham alcançado carga viral indetectável usando a TAR padrão de três medicamentos.
Em 2014 o Dr. Margolis apresentou os resultados de 48 semanas, mostrando que 82% dos participantes que mudaram para cabotegravir oral mais rilpivirina mantiveram a supressão viral, em comparação com 71% dos que ficaram em um esquema de três medicamentos que contém efavirenz (Sustiva). Após 96 semanas, as taxas de resposta correspondentes foram de 76% e 73%, respectivamente. A combinação oral foi segura e bem tolerada.
Estes resultados promissores lançaram as bases para testar as formulações injetáveis de ação prolongada no ensaio prova-de-conceito de Fase 2b LATTE-2.

O estudo LATTE-2

Este estudo aberto envolveu 309 participantes não tratados previamente para o HIV. Eles começaram um esquema de indução de três medicamentos de cabotegravir via oral 30mg além de abacavir / lamivudina (os medicamentos no Kivexa ou Epzicom).
Aqueles com supressão viral (<50 cópias / ml) após 20 semanas foram aleatoriamente distribuídos para permanecer no mesmo esquema oral ou mudar para cabotegravir e rilpivirina administrados como injeções intramusculares de longa ação, nas nádegas. Um grupo recebeu 400mg de cabotegravir acrescido de 600mg de rilpivirina administrados a cada 4 semanas (Q4W) e outro recebeu 600mg de cabotegravir acrescido de900 mg de rilpivirina administrados a cada 8 semanas (Q8W)
Dos 286 participantes que atingiram a supressão viral durante o período de indução e foram randomizados, mais de 90% eram homens, a maioria eram brancos ea idade média foi de 35 anos. No início do estudo a contagem mediana de CD4 foi de 489 células / mm3 [mediana: número que divide um grupo em duas metades. Neste caso metade tinha mais 489 CD4 e metade tinha menos de 489 CD4] e 18% tinham carga viral elevada (> 100.000 cópias / ml).

Resultados

Às 48 semanas após a randomização, 92% dos pacientes que mudaram para os medicamentos injetáveis dados a cada 8 semanas (Q8W) e 91% dos tratados a cada 4 semanas (Q4W) mantiveram carga viral indetectável, assim como 89% dos que ficaram no esquema oral.
Mais participantes no grupo injetável Q8W não experimentaram resposta virológica em comparação com aqueles nos grupo injetável Q4W e oral (7%, <1% e 2%, respectivamente). Mas mais pessoas nestes últimos grupos tinham dados faltantes: assim as taxas de resposta geral foram semelhantes.

Dois participantes no grupo injetável Q8W e um no grupo de via oral tiveram falha virológica às 48 semanas, como definido no protocolo. Esta definição combinou critérios de resposta precoce e rebote viral. O Dr. Margolis observou que agora todos os participantes foram acompanhados por 72 semanas, sem falhas adicionais definidas pelo protocolo.

O paciente com insuficiência no grupo Q8W provavelmente recebeu uma dose inadequada de rilpivirina devido a uma injeção incorreta e desenvolveu resistência a ITRNN (mutações K103N, E138G, K238T) e resistência aos inibidores de integrase (mutação Q148R).

Efeitos adversos

A combinação de cabotegravir e rilpivirina injetáveis foi segura e bem tolerada em geral, sem eventos adversos graves relacionados com esses fârmacos. Dois por cento (2%) no grupo Q8W, 6% no grupo Q4W e 2% no grupo oral, interromperam devido a eventos adversos.Além de reações no local da injeção, os eventos adversos mais frequentemente relatados foram febre, fadiga, síndrome gripal, dor de cabeça e erupção cutânea, relatada por 4% ou menos participantes.

A maioria das pessoas nos grupos injetáveis tiveram reacções no local da injeção, mas estas foram geralmente leves (82%) ou moderadas (17%), e 90% resolvidas dentro de uma semana. A reação mais comum foi a dor (67%), mas 7% desenvolveram nódulos e 6% tinham inchaço. No entanto, menos de 1% desistiram do estudo por esta razão.

Comparação entre os três grupos

Os dois grupos de tratamento injetável Q8W e Q4W mantiveram níveis de cabotegravir semelhantes aos observados com a administração oral e nenhum foi claramente melhor em termos de tolerabilidade. A administração mensal resultou em uma taxa modestamente inferior da não resposta virológica. Ela foi selecionada para estudos de Fase 3 previstos para iniciar no final deste ano. Mas o Dr. Margolis disse que a avaliação de ambas as doses continuará ao longo de 96 semanas no LATTE-2 e a dosagem a cada dois meses pode ainda ser viável.

Satisfação do paciente com esquemas injetáveis

O Dr. Margolis relatou que a maioria das pessoas no LATTE-2 disse que estavam satisfeitos com os esquemas injetáveis e gostariam de continuar neste esquemade longa ação, classificando a sua satisfação como 5 ou 6 em uma escala de 6 pontos.

Análise qualitativa com pacientes e prestadores de cuidados médicos

Numa segunda apresentação Deanna Kerrigan da Universidade Johns Hopkins (EUA) relatou os resultados de uma análise qualitativa que forneceu mais detalhes sobre as experiências dos pacientes que utilizavam medicamentos injetáveis de ação prolongada. Eles realizaram entrevistas em profundidade com 27 participantes e 12 prestadores de cuidados médicos que participaram no LATTE-2.

As entrevistas tinham por objetivo lançar luz sobre as seguintes questões:
• Como é que os pacientes experimentam as injeções?
• Como os pacientes experimentam vir à clínica?
• Como se compara a TAR injetável de longa ação com a TAR de pílulas diárias?
• Quem são os pacientes "certos" para a TAR injetável de longa ação?
• Como e onde é melhor aplicar a TAR injetável de longa ação?

A análise dos pacientes, incluiu 10 homens e uma mulher nos EUA, e 15 homens e uma mulher na Espanha. Cerca de 70% eram brancos ea idade média foi de aproximadamente 37 anos. A maioria dos participantes de ambos os países eram homens homossexuais. Todos tinham tomado os fârmacos injetáveis por pelo menos 32 semanas no momento das entrevistas.

A perspectiva dos pacientes

A maioria dos participantes relatou algum nível de efeitos secundários, na maior parte irritação e machucados menores no local da injeção com duração de 1-2 dias, o que levou alguns a usar analgésicos comprados na farmácia. Mas eles geralmente aceitaram que os efeitos colaterais da injeção valiam a pena quando comparados com tomar pílulas diariamente.

Os participantes disseram que os medicamentos injetáveis de ação prolongada foram mais simples, convenientes e discretos (permitindo uma maior confidencialidade) do que as pílulas diárias. Alguns disseram que a TAR de longa duração reduz o estigma e deu-lhes alívio do lembrete diário de viver com HIV, tal como expresso por um participante do estudo do sexo masculino na Espanha:

"Parece-me que é muito melhor, porque você simplesmente não precisa se preocupar com nada", disse um homem entrevistado. “Se você for viajar, você não tem que trazer suas pílulas ou tomar coisa alguma. Você segue sua "vida normal". Você vem uma vez por mês. Você toma a picada e acabou. Você não tem que estar pensando todos os dias ... oh!, eu esqueci de tomar a pílula. Ou ... quando foi a última vez qeu tomei ... Você simplesmente não se preocupa com nada. Na realidade, tomar a pílula todos os dias mantém [o HIV] presente ... ea picada é apenas uma vez por mês... você se lembra quando você entra e o resto do tempo você pode basicamente esquecer. "

Enquanto os participantes disseram que se sentiam confortáveis indo às clínicas para receber suas injeções e recebendo boa assistência, alguns expressaram preocupação sobre o número de visitas, o que poderia vir a ser um grande problema comparando a administração mensal com a administração bimestral.

A perspectiva dos profissionais de saúde

A análise dos profissionais de saúde incluiu 12 médicos investigadorese, enfermeiros e coordenadores do estudo.
Os profissionais reconheceram os benefícios da TAR injetável de longa ação, mas eles não foram tão favoráveis como os pacientes e disseram que iriam considerá-lo numa análise caso-a-caso. Eles expressaram preocupações sobre a resistência e manejo clínico, os pacientes não retornando para o cuidado de acompanhamento e não ser capazes de remover a medicação em caso de efeitos colaterais ou intolerância.

Conclusão

"A TAR injetável de longa ação foi vista pelos participantes como uma opção aceitável e desejável, enquanto os funcionários de saúde manifestaram algumas preocupações", concluíram os pesquisadores.

"A TAR injetável de longa ação foi percebida por muitos participantes como um meio de reduzir o estigma do HIV, destacando o papel do estigma em suas vidas", acrescentaram."Enquanto a TAR injetável de longa ação é uma ferramenta biomédica promissora, a abordagem integral do estigma sobre as pessoas com HIV continua sendo um pornto crítico."

"A TAR injetável de longa ação foi percebida por muitos participantes como um meio de reduzir o estigma do HIV, destacando o papel do estigma em suas vidas", acrescentaram. "Enquanto a TAR injetável de longa ação é uma ferramenta biomédica promissora, a abordagem integral do estigma sobre as pessoas com HIV continua sendo um pornto crítico."
As formulações injetáveis de cabotegravir e rilpivirina também estão sendo estudadas para a profilaxia pré-exposição, ou PrEP. Estas conclusões qualitativas sobre conveniência e simplicidade também podem aplicar-se a opções de longa ação para a prevenção do HIV.

Referências
Margolis D et al. Cabotegravir + rilpivirine as long-acting maintenance therapy: LATTE-2 week 48 results. 21st International AIDS Conference (AIDS 2016), Durban, abstract THAB0206LB.

CROI 2016: primeiros dados de eficácia de uma injeção trimestral, com cabotegravir como PrEP

Os participantes mostraram grande aceitação do método profilático, embora as injeções fossem mais dolorosas do que o esperado

Francesc Martinez - 25/02/2016 (aidsmap,GTT)

Resumo

Um estudo apresentado na Conferência sobre Retrovírus e Infecções Oportunistas (CROI), ocorrida em fevereiro de 2016 na cidade de Boston (EUA), avaliou o uso de uma formulação injetável de administração trimestral do antirretroviral cabotegravir, atualmente em pesquisa, como profilaxia pré-exposição ao HIV (PrEP, na sigla em Inglês).

No estudo Eclair, foram observados dois eventos imprevistos: a absorção da formulação foi mais rápida do que o esperado (provavelmente as injeções deverão ser bimestrais em estudos futuros e não trimestrais, como neste) e a dor no local da injeção foi maior do que o esperado. Porém poucas pessoas deixaram o estudo por esta razão e a maioria mostrou-se favorável a usar esta estratégia preventiva no futuro, se for licenciada.

O Estudo Eclair

O estudo ECLAIR durou 81 semanas. Os participantes receberam quatro semanas de cabotegravir por via oral para descartar a intolerância ao medicamento, antes de administrar injeções de liberação prolongada. Um quinto dos 126 participantes (n = 21) recebeu placebo durante todo o estudo (tanto na etapa oral como na etapa de injeção).

Nas semanas 5, 17 e 29 foram administradas duas injeções de 2 ml contendo 800 mg de cabotegravir ou soro no grupo controle. Entre a semana 41 (quando terminava o efeito da última injeção) e a semana 81 teve lugar a etapa de acompanhamento do estudo.
A população do estudo consistiu inteiramente de homens. A faixa etária foi de 18 a 64 anos. Um estudo prévio avaliou uma população considerada de baixo risco de adquirir o HIV, porque ele foi dirigido principalmente para avaliar a segurança, medindo a eficácia somente como um objetivo secundário. A idade média foi de 30,5 anos, 57% eram brancos e 32% eram afroamericanos. Oitenta por cento (80%) dos participantes eram homens gays e outros homens que fazem sexo com homens (HSH).

Resultados

Durante a etapa oral do estudo, onze pessoas que tomavam cabotegravir e uma que tomava placebo deixaram o estudo. Este fato, nas palavras dos pesquisadores, poderia ser devido à precaução dos médicos de não permitir a entrada na etapa de injeção de ninguém com efeitos colaterais, mesmo que leves. Durante o período com injeções, sete pessoas - todos eles do grupo que usava cabotegravir - deixaram o estudo.

Durante a etapa de administração injetável, os principais efeitos colaterais foram reações no local da injeção, que ocorrera em 93% das pessoas com cabotegravir (principalmente a dor no músculo no local da injeção) e 57% daquelas com placebo.

A dor foi geralmente leve entre as pessoas que receberam placebo, mas naqueles com cabotegravir foi moderada em 37% dos casos e grave em 10%. No grupo com cabotegravir, porém, a dor desapareceu após uma média de 5,4 dias.

Outros efeitos secundários relatados foram prurido, inchaço ou calor no local da injeção. O único efeito não-local notável foi a febre (vivida por 7% dos participantes que usaram cabotegravir).
No entanto, 62% das pessoas em uso de cabotegravir ficaram satisfeitas com a estratégia e 74% mostraram-se propensas a usá-lo se o medicamento for licenciado. A maioria preferiu a injeção trimestral à ingestão oral diária.

As medições dos níveis de cabotegravir mostraram absorção mais rápida do que o esperado. A concentração máxima de cabotegravir no sangue foi maior do que o esperado (5-6 µg / mL) e a concentração mínima foi menor do que o esperado (0,3 a 0,6 µg / mL). Por isto, é muito possível que em estudos futuros uma administração bimestral seja avaliada, já que a concentração mínima aproximou-se da concentração inibitória de 90 % (IC90, na sigla em inglês, é a concentração que inibe a replicação de 90% dos vírus e é considerada o limite inferior aceitável).

No estudo houve dois casos de infecção pelo HIV (um participante no grupo do placebo e outro grupo do cabotegravir). O diagnóstico de infecção do participante em uso de cabotegravir, no entanto, ocorreu na semana 53 (cerca de 6 meses após a última injeção) e foi considerada uma infecção muito recente, que não está relacionada - pelo menos pelos pesquisadores - com cobertura profilática inadequada pelo cabotegravir.

Conclusão

Os resultados deste estudo mostram que o cabotegravir injetável seria um método aceitável de PrEP e, apesar da dor no local da injeção, muito bem tolerado. Será importante observar como estudos futuros enfrentam os desafios resultantes deste ensaio (absorção rápida, dor das injeções). Atualmente, um segundo estudo avalia esta estratégia em mulheres e é esperado num futuro próximo a comparação de sua eficácia com aquela do tenofovir / emtricitabina (Truvada), momento em que saberemos com certeza se constitui uma opção viável.

Referência:
Markowitz M et al. ÉCLAIR: phase 2a safety and PK study of cabotegravir LA in HIV-infected men. Conference on Retroviruses and Opportunistic Infections, Boston, abstract 106.
Produzido em colaboração com hivandhepatitis.com
Publicação: 22 de julho de 2016
Traduzido e Adaptado por J. Beloqui (GIV, ABIA, RNP+)