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MÉDICOS OUVEM POUCO SEUS PACIENTES

01/06/2004 - The New York Times

Pesquisa aponta interrupções constantes durante consulta

Em média, pessoa é interrompida 18 segundos após começar a explicar seu problerma

Meredith Levine

Franck Muller Replica

Uma mulher entra no consultório de um médico. Ele diz: "O que a traz aqui hoje?" A mulher começa a responder. 18 segundos depois, o médico a interrompe.
Isto pode parecer o início de uma piada, mas é uma cena que ocorre regularmente nos consultórios médicos por todos os Estados Unidos. Há duas décadas, em 1984, os pesquisadores mostraram que, em média, os pacientes eram interrompidos 18 segundos após começarem a explicar seus problemas. Menos de 2% conseguiam concluir suas explicações.
Mas, na época, o comportamento dos médicos no consultório e ao lado do leito não era considerado digno de pesquisa. "Nos consideraram malucos", disse o dr. Howard Beckman, co-autor do estudo e um professor clínico de medicina da Universidade de Rochester.
Mas, atualmente, a ascensão da "managed care" (saúde gerenciada) ajudou a tornar a comunicação entre médico e paciente uma questão importante, que está atraindo crescente interesse por parte dos pesquisadores.
Os pesquisadores associaram a má comunicação a diagnósticos equivocados, pedidos de exames desnecessários e o fracasso dos pacientes em seguir os tratamentos prescritos.
"Quando a comunicação não funciona e os pacientes obtêm bons resultados, é por acaso", disse a dra. Sherrie H. Kaplan, uma diretora associada da faculdade de medicina da Universidade da Califórnia, em Irvine, e uma importante pesquisadora do campo.
Com que freqüência a comunicação entre médicos e pacientes não funciona? A pesquisa mostra que apenas 15% dos pacientes entendem plenamente o que seus médicos lhes dizem, e que 50% deixam o consultório sem saber ao certo o que devem fazer para se cuidarem. Estudos sugerem que as mulheres são melhores em formar relacionamentos com seus médicos do que os homens. O número típico de pergunta que um paciente do sexo masculino faz durante uma consulta de 15 minutos é zero, enquanto as mulheres fazem em média seis perguntas, segundo o estudo de Kaplan.
Tanto médicos quanto pacientes podem sofrer as conseqüências do fracasso da comunicação. Um tema comum nos processos por erros médicos é o fracasso na comunicação, disse o dra. Wendy Levinson, vice-diretora do departamento de medicina da Universidade de Toronto. O que geralmente leva as pessoas a processarem seus médicos, disse Levinson, que estudou a questão extensamente, "é o sentimento de que não foram ouvidas, que não tiveram a total atenção do médico".
Em um estudo, Levinson e a dra. Nalini Ambady, uma psicóloga de Harvard, compararam o comportamento no consultório de cirurgiões que foram processados várias vezes com o daqueles que nunca foram processados. Os médicos com um "tom de voz mais dominante", elas notaram, apresentavam mais probabilidade de serem processados. Os médicos cujas vozes eram mais contidas e mais calorosas apresentavam menos probabilidade de serem processados.
Em muitos casos, os processos têm pouco a ver com o dano físico ao paciente, disseram os pesquisadores, e muito a ver com o relacionamento entre médico e paciente. Os pacientes que processam freqüentemente se sentem abandonados por seus médicos.
A orientação dos especialistas sobre como os médicos podem melhor se comunicar com os pacientes parece saída de um livro de auto-ajuda para relacionamento. Escutem atentamente, façam perguntas abertas, não interrompam, façam contato olho a olho e mostrem que se importam.
Bons médicos, dizem os especialistas em comunicação, não crivam os pacientes de perguntas; os pacientes, segundo os estudos, não gostam disso.
A competência do médico também importa, é claro. E os pacientes às vezes continuam se consultando com médicos que sentem que são frios e pouco comunicativos por acreditarem que a capacidade técnica e de diagnóstico deles são mais importantes que seu comportamento. Mas, disse Levinson, a competência e a comunicação são igualmente importantes.
"Nós devemos considerar a excelência a combinação da conhecimento técnico mais sofisticado com a melhor capacidade de comunicação", disse ela, "porque isto resultará no melhor resultado para os pacientes".
A pesquisa mostrou que há uma clara ligação entre relacionamentos positivos entre médicos e pacientes e melhora na saúde dos pacientes.
Em vários estudos, Kaplan e seu marido, o dr. Sheldon Greenfield, também da Universidade da Califórnia, em Irvine, descobriram que a boa comunicação entre médico e paciente resultava em níveis menores de açúcar no sangue em pacientes diabéticos, e pressão mais baixa em pacientes hipertensos.
Outra pesquisa mostrou uma ligação entre encontros positivos de médico e paciente e a redução de dor em pacientes com câncer; melhor saúde física e emocional em pessoas com várias doenças; menor estresse e ansiedade; um maior grau de cumprimento dos tratamentos prescritos.
A mensagem, dizem os especialistas, é que se os pacientes acreditarem que contam com um bom relacionamento com seus médicos, há uma grande chance de que a saúde deles se beneficiará. A pesquisa indica que isto é verdade mesmo em países como o Japão, com normas culturais muito diferentes envolvendo comunicação e relacionamentos.
É uma ligação que não passou desapercebida pelas escolas de medicina. A maioria introduziu algum tipo de treinamento de comunicação. O mesmo fizeram instituições que ministram os cursos exigidos para que os médicos possam renovar suas licenças.
Mesmo organizações de manutenção de saúde, reconhecendo que os médicos que são bons comunicadores melhoram os lucros (seus pacientes geralmente mantêm o plano de saúde e não ficam procurando vários médicos), começaram a investir recursos significativos no treinamento para que os médicos se tornem melhores comunicadores.
Mas quão bem-sucedidos têm sido estas iniciativas de treinamento é outra questão. A resposta é que, pelo menos até o momento, elas parecem não ter melhorado significativamente o relacionamento.
Em 1999, Beckman e seus colegas publicaram uma continuação de seu estudo original no "The Journal of the American Medical Association". Os pacientes, eles descobriram, não estavam mais sendo interrompidos aos 18 segundos, em média. Em vez disso, agora eram necessários 23 segundos para o médico interromper.
Por vários motivos, adaptar as lições escolares aos encontros médicos da vida real freqüentemente falham. Um problema é que o treinamento de comunicação na maioria das escolas de medicina é limitado aos primeiros dois anos, quando os estudantes ainda estão restritos à sala de aula e ainda não ganharam experiência clínica real.
Quando os estudantes chegam aos hospitais, "seus principais modelos são residentes que freqüentemente trabalham longas horas sob muita pressão e para os quais a principal prioridade provavelmente não é a comunicação, mas aprender como executar os procedimentos de ressuscitação de um paciente", disse o dr. Richard Kravitz, diretor do Centro para Pesquisa de Serviços de Saúde da Universidade da Califórnia, em Davis. omega replica watches

Mesmo para médicos experientes, o ambiente de trabalho em muitas instituições de saúde pode minar as melhores intenções. "As pessoas são generosas quando são tratadas com generosidade", disse Beckman. "No ambiente de trabalho médico, todos estão esperando que alguém grite com eles."
A dra. Robin DiMatteo, uma professora de psicologia da Universidade da Califórnia, em Riverside, que estuda os relacionamentos entre médicos e pacientes, acrescentou que em uma organização em que os médicos são infelizes, "eles tendem a ter uma comunicação mais problemática com seus pacientes".
Além disso, em uma situação onde uma parte nega que um problema existe e a outra não quer conversar a respeito, o relacionamento provavelmente não vai mudar.
"A maioria dos médicos acha que realiza um bom trabalho de comunicação", disse Kravitz. "Os mecanismos de retorno não são bons e os pacientes geralmente são os últimos a dizer."
Mesmo entre os médicos que reconhecem que deveriam investir mais na formação de bons relacionamentos com seus pacientes, a resistência é comum, geralmente porque os médicos estão preocupados em acrescentar algo às suas agendas já consideravelmente lotadas.
Mas a pesquisa de Levinson indica que permitir um maior tempo para que os pacientes falem pode levar a consultas menores. Quando as queixas dos pacientes são ignoradas, ou são interrompidos quando se expressam, há uma maior probabilidade de reaparecerem "quando a consulta está terminando", disse ela.
Mas o maior obstáculo para mudança pode ser o fato de a maioria dos programas de treinamento se concentrar em mudar o comportamento dos médicos, apesar de serem necessários dois para formar um relacionamento. Estudos sugerem que quanto mais igual é o relacionamento entre médico e paciente, mas provável é que se traduza em benefícios médicos.
Mas quando o paciente é passivo, há uma maior probabilidade de má recuperação. Kaplan acredita que a passividade do paciente "deve ser tratada como um fator de risco em uma doença crônica". Ela defende programas que dêem aos pacientes a capacidade de fazer perguntas e interpretar as respostas.
Convencer os pacientes quanto aos benefícios de melhorar o relacionamento pode provar ser mais fácil do que convencer os médicos, disse Levinson. "Se eu for a uma festa e disser aos médicos que trabalho na comunicação entre médico e paciente, eles mudarão de assunto", disse ela. "Mas se eu disser isto aos pacientes presentes, eles todos terão uma história para me contar."

Tradução: George El Khouri Andolfato