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ONG quer tema sobre patente fora da Alca

18/06/2003 - O ESTADO DE SÃO PAULO

MSF sugere que o tema seja retratado somente na OMC.

PAULO SOTERO
Correspondente

WASHINGTON - A organização Médicos Sem Fronteiras (MSF), uma das entidades não-governamentais mais respeitadas do mundo, aconselhou ontem os governos dos países envolvidos na criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) que evitem tratar de propriedade intelectual de patentes farmacêuticas no acordo regional e mantenham o assunto no âmbito da Rodada Doha da Organização Mundial de Comércio (OMC).

As propostas resumidas na segunda versão do texto do acordo da Alca "têm como finalidade fortalecer os direitos de patentes além do que é exigido pelo acordo de propriedade intelectual (Trips) e reduzir seu alcance em detrimento da saúde pública", afirmou Nicolas de Torrente, diretor-executivo do MSF nos Estados Unidos Torrente referia-se à atual legislação internacional sobre propriedade intelectual relacionada a comércio, que está sob revisão na OMC por iniciativa tomada pelo Brasil durante a reunião ministerial da organização em Doha - que lançou a rodada de revisão das leis globais de comércio, em novembro de 2001.

"Se a Alca criar um sistema que venha a minar e a contradizer a Declaração de Doha, impedindo o uso de medicamentos genéricos a preço acessível, será uma catástrofe para os nossos pacientes e para milhões de outros nas Américas, portadores do vírus HIV e outras doenças", afirmou Torrente, em carta enviada aos governos dos 34 países que negociam a Alca.

O governo brasileiro antecipou-se à sugestão da MSF. Aproveitando o pretexto dado pelos Estados Unidos, que excluíram da Alca discussões sobre temas que afetam o sistema internacional de comércio - como os gigantescos subsídios à produção agrícola praticados pelos países ricos e as leis de defesa comercial que eles usam para proteger suas indústrias ineficientes -, o Brasil informou recentemente que as questões relativas à propriedade intelectual devem ficar fora do acordo regional e ser tratadas apenas na OMC. O País é co-presidente das negociações da Alca, com os EUA.

"Se a proposta (que consta dos textos consolidados da Alca) fosse adotada, seria eliminada a possibilidade de concessão de licenças compulsórias para atenuar abusos de patente, como preços excessivos, e para favorecer a concorrência no setor privado", disse o diretor da MSF. "Além disso, limitando-se, na Alca, a concessão de licenças compulsórias para situações de emergência, pode-se levar países integrantes do acordo a concluírem que o licenciamento compulsório no Trips é apenas previsto para atender a emergências nacionais ou outras circunstâncias de extrema urgência - o que não é o caso, e deve ser veementemente rejeitado nas negociações da Alca".

No governo de Fernando Henrique Cardoso, o então ministro da Saúde, José Serra, ameaçou duas vezes usar a licença compulsória para pressionar laboratórios europeus a baixar preços de remédios do coquetel de drogas contra a aids do programa federal de combate à doença. Os EUA chegaram a iniciar uma ação contra o Brasil na OMC. Mas voltaram atrás, sob pressão de organizações não-governamentais americanas e européias, que denunciaram a posição americana como uma ameaça ao programa brasileiro de combate à doença.