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GOVERNO DÃ DEZ DIAS PARA QUEBRAR PATENTE

26/06/2005 - Folha de São Paulo

Decisão só será revertida se laboratório baixar preços

Decisão, inédita no mundo, só será revertida se laboratório Abbott, dos EUA, decidir baixar preços do medicamento Kaletra

O governo brasileiro anunciou ontem que quebrará a patente do medicamento Kaletra, do laboratório norte-americano Abbott, usado no tratamento de portadores do vírus da Aids.
A decisão só poderá ser revertida caso a empresa farmacêutica baixe seus preços em um prazo de dez dias. A concessão do prazo gerou críticas de ONGs que defendem portadores de HIV.
O governo federal, desde a administração Fernando Henrique Cardoso, vinha ameaçando a quebra de patentes, mas a gestão Luiz Inácio Lula da Silva, desta vez, oficializou a medida: por meio de portaria, tornou o Kaletra remédio de interesse público.
Em nota, o laboratório informou estar desapontado com o governo e disse que a quebra da patente poderá ter "impacto negativo" na busca por novos tratamentos para a Aids (leia texto abaixo).
É a primeira vez no mundo que um país anuncia a medida para anti-retroviral, segundo o governo. O anúncio acontece após pressões de organizações nacionais e internacionais.
Anteontem, um editorial do "New York Times" defendeu a quebra de patentes.
Ao lado de Lula, o ministro da Saúde, Humberto Costa, assinou a portaria que declara de interesse público o remédio Kaletra. Com isso, o medicamento poderá ser produzido no país, somente para a rede pública, mediante pagamento de royalties à empresa.
O laboratório Abbott será notificado da decisão e terá dez dias para anunciar se atende ao interesse público, reduzindo o valor da unidade do medicamento dos atuais US$ 1,17 para US$ 0,68 (R$ 2,78 e R$ 1,61, respectivamente).
Com a redução, haverá uma economia de R$ 130 milhões neste ano no custo do produto. Se a empresa não reduzir o preço, o governo adota o chamado licenciamento compulsório, autorizando o laboratório estatal Farmanguinhos a produzir o remédio, ao custo de US$ 0,68 a unidade.
O ministro Humberto Costa disse que a medida foi adotada para garantir a sustentabilidade do programa de combate à Aids, considerado modelo no mundo.
"Temos absoluta certeza e convicção de que a decisão terá respaldo internacional", disse o ministro, lembrando que a medida é amparada pelo Trips (sigla em inglês para Acordo sobre Aspecto dos Direitos de Propriedade Intelectual) e por leis brasileiras.
Costa argumenta que o Kaletra, que é uma combinação das substâncias ativas lopinavir e o ritonavir, foi um dos 16 anti-retrovirais do coquetel para tratamento da Aids com menores descontos nos últimos anos. A partir da quebra da patente, serão necessários cerca de 12 meses para que o produto brasileiro esteja no mercado. Até maio de 2006, o governo tem contrato com a Abbott, garantindo o abastecimento.
O Brasil vinha ameaçando desde o governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) a quebra de patentes dos medicamentos de Aids para negociar a redução de preços com os laboratórios. Desistia a partir do momento que conseguia descontos.
Neste ano, porém, a redução aceita pelos laboratórios foi bem menor que as anteriores. Em 2003, por exemplo, a economia total com os descontos chegou a R$ 300 milhões. Em 2005, ficou apenas em R$ 60 milhões.