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OMS distribuirá genéricos para Aids

26/06/2003 - O GLOBO

Plano é criar rede mundial de produção de medicamentos genéricos.

Roberta Jansen

Assessor técnico da Unidade de Diagnóstico, Tratamento e Assistência do programa brasileiro de Aids, o infectologista Marco Antônio Vitória assume, em agosto, o setor de tratamento da doença na Organização Mundial de Saúde (OMS). E tem planos ambiciosos para a área. Quer criar uma rede mundial de produção de medicamentos genéricos para oferecer gratuitamente a terapia a pelo menos três milhões de pessoas.

Como a OMS pretende lidar com a questão do tratamento de Aids na nova gestão?

MARCO ANTÔNIO VITÓRIA: Nosso maior objetivo é ampliar o acesso ao tratamento. Fora dos países desenvolvidos, apenas 300 mil pessoas têm acesso a remédios, sendo que metade delas está no Brasil. O objetivo é dobrarmos o acesso a cada ano, até atingirmos três milhões de pessoas em 2005.

Isso inclui a fabricação de genéricos? A OMS apóia essa política?

VITÓRIA: A OMS apóia integralmente essa política. Está claro que para haver uma expansão rápida do tratamento, sobretudo em países em desenvolvimento, é preciso produzir genéricos. Não podemos contar apenas com a indústria, precisamos ampliar a capacidade de produção. A idéia é criarmos uma rede mundial para a produção de genéricos, na qual o Brasil certamente estará envolvido, bem como a Índia. Queremos também reunir o maior número possível de remédios em uma única cápsula de forma a facilitar o tratamento.

Como isso funciona?

VITÓRIA: Os medicamentos são separados, o que dificulta a adesão ao tratamento. Hoje, um paciente toma de dez a 15 comprimidos por dia. E tem que tomar todo dia, na hora certa, por tempo indeterminado. Não pode falhar, não pode atrasar ou aumenta a chance de desenvolver resistência ao remédio. Se simplificarmos isso, se reduzirmos para uns cinco comprimidos por dia no máximo, aumentamos a adesão. Além disso, há uma redução nos custos de estocagem e distribuição.

Essa rede de produção de medicamentos poderia quebrar patentes? Como os laboratórios farmacêuticos estão vendo isso?

VITÓRIA: Sim, isso já foi discutido. Sem dúvida, se houver uma situação em que a negociação não for boa para os dois lados esse é um mecanismo legítimo. Mas os laboratórios estão participando da iniciativa de forma positiva. Estão aceitando a idéia e querem participar. Não há nenhum impedimento nisso, pelo contrário, queremos que todos participem. Está claro, no entanto, que interesses comerciais não podem prevalecer.

A OMS vai, então, distribuir medicamentos genéricos para os países mais afetados? Há dinheiro para isso?

VITÓRIA: Há dinheiro para isso. Hoje temos US$ 5 bilhões para o tratamento, mas podemos buscar financiamento com o Banco Mundial, a Fundação Bill Gates, o próprio fundo para a Aids. Recurso existe, o que às vezes acontece é que os países não têm estrutura, não conseguem se qualificar sequer para pleitear a verba. Queremos ter uma rede certificada para a produção dos genéricos e, ao mesmo tempo, vamos capacitar profissionais de saúde e comunidades dos países mais afetados para garantir que os remédios sejam distribuídos e tomados de forma adequada. Por meio de programas-piloto vamos ajudar o país a montar uma infra-estrutura. A idéia é que depois, os países pleiteiem fundos para dar continuidade aos programas.

Quais são os países considerados prioritários?

VITÓRIA: Os países do sul da África, do Caribe e do sudeste da Ásia.

Um programa de distribuição de medicamentos seria viável nesses países? Do ponto de vista econômico e de infra-estrutura?

VITÓRIA: O Brasil gasta hoje 0,04% de seu PIB em medicamentos para a Aids. Isso é menos de 2% do orçamento do Ministério da Saúde. Quando começamos o programa de distribuição de remédios aqui também tínhamos uma infra-estrutura mínima, ela foi sendo ampliada aos poucos. E a OMS irá ajudar nesse processo.

Qual é o cronograma de implantação desses projetos?

VITÓRIA: A meta é, até o fim do ano, iniciar esse processo. A rapidez disso vai depender dos acordos e comprometimento dos governos locais. Pretendo chegar à conferência de Bangcoc, no meio do ano que vem, podendo dizer que já temos um milhão em tratamento.