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O ADEUS Ã OCTÃVIO VALENTE JÃNIOR

23/03/2006 - Agência Aids

O valente guerreiro na defesa das pessoas vivendo com Aids

1961 - 2006

Octávio Valente Júnior, Presidente do Grupo Pela Vidda/RJ, faleceu na madrugada desta quarta-feira, 22 de março no Hospital Evangélico (RJ). O ativista tinha 44 anos e estava hospitalizado desde a última segunda-feira. A causa mortis foi falência múltipla dos órgãos, em conseqüência da Aids. O sepultamento acontece nesta quarta, 22 de março às 15h no Cemitério Memorial do Carmo.
Vivendo com Aids desde 1992, Octávio, que tinha formação em técnico de recursos humanos, ingressou no movimento social de luta contra a Aids em 1997, quando chegou ao Grupo Pela Vidda/RJ. Sua primeira atuação foi vinculada a Assessoria e Orientação Jurídica da Instituição, onde desempenhou a função de Assessor Jurídico. Em 1998, Octávio passa a ocupar a diretoria do Grupo Pela Vidda/RJ exercendo o cargo de Secretário Geral. Desde 2000, Octávio exercia a Presidência do Grupo Pela Vidda/RJ.
Dentre os projetos e atividades em que esteve envolvido, Octávio participou ativamente da elaboração e desenvolvimento do Projeto de Sustentabilidade para ONGs/Aids, iniciativa financiada pela Alliance e realizada em parceria com o Grupo Pela Vidda/Niterói, GIV e Programa Municipal de DST/Aids de Praia Grande. Octávio também teve destacada atuação como membro do Comitê Nacional de Vacinas, Fórum Estadual de ONG/Aids do Rio de Janeiro, Comitê Comunitário de Acompanhamento de Pesquisa de Vacinas (CCAP - RJ) e Comissão Estadual de Aids do Rio de Janeiro. Nos últimos meses, já com a saúde bastante fragilizada, Octávio era um dos Coordenadores do Projeto de capacitação de lideranças para o Controle Social – projeto executado em parceria com o Grupo Pela Vidda/Niterói, contribuindo para a formação de lideranças e atores responsáveis pelo acompanhamento das políticas públicas para combate e controle da Aids.
Na qualidade de Representante de Comitê Assessor Comunitário da 3ª Conferência Internacional sobre Patogênese e Tratamento do HIV/AIDS – IAS, ocorrida em Julho/ 2005, Octávio participou da mesa de abertura do evento e proferiu um sensível e contundente discurso, aplaudido por toda plenária presente e que reproduzimos logo abaixo:

“Sua Excelência Presidente Festus Mogae, honorável chair da conferência Dra. Helene D. Gayle, Dr. Mauro Schechter, Dr. Pedro Chequer, Sr. Stephen Lewis e distintos delegados.
Boa noite,
Eu gostaria de agradecer aos organizadores, em nome do Comitê Assessor Comunitário e em nome do Grupo Pela Vidda, organização que eu estou representando, pela oportunidade e privilégio de estar presente. É muito revigorante ver a comunidade aonde ela deve estar. Eu gostaria também de agradecer aos meus colegas do Comitê Assessor Comunitário, Mônica Barbosa, Márcio Ribeiro, Ron Rosenes, Gregg Gonçalves e Alejandra Trossero pelo seu árduo trabalho para criarmos uma agenda comunitária e por organizar a logística de nossas atividades.
Trazer representantes da comunidade para este tipo de conferência ainda representa um desafio que precisamos enfrentar. Nós poderíamos ter aqui, como delegados, um número maior de representantes brasileiros e nós nos organizamos para captar apoios parciais para tal. Entretanto, adicionalmente à freqüente barreira do idioma, tópicos científicos não são facilmente compreendidos pela comunidade. Deste modo, nós precisamos encurtar a distância entre os cientistas e a comunidade. Algumas vezes, cientistas são vistos como quase intocáveis pela comunidade, e algumas vezes os cientistas não se sentem confortáveis trabalhando com a comunidade. Ambos necessitam de apoio para tornar as pesquisas mais inclusivas e transparentes. Apenas a título de ilustração, uma vacina parece ser a estratégia mais efetiva para a prevenção no futuro.
Envolvendo a participação comunitária no desenho e no desenvolvimento de um ensaio vacinal pode-se assegurar melhor acesso às populações alvo, e um melhor entendimento sobre suas particularidades e necessidades. Pelo lado da comunidade, nós precisamos continuar investindo fortemente em educação e treinamento.
Nós precisamos garantir a participação comunitária nestas conferências. Sem a comunidade, como podemos definir prioridades em termos de tratamento, pesquisas e estratégias de prevenção? Existe uma linha invisível que conecta diferentes setores e atores na luta contra a Aids. Há diferentes motivações para o avanço da ciência no campo da Aids, mas o objetivo principal precisar ser o mesmo – a vida.
Senhoras e senhores, eu não posso evitar esta oportunidade para enfatizar uma situação particular que o Brasil está enfrentando, relacionada ao acesso ao tratamento da Aids sustentável. Os senhores têm provavelmente tido a chance de acompanhar as negociações entre o Ministério da Saúde e a companhia farmacêutica Abbott, envolvendo o antiretroviral kaletra. O governo brasileiro tem tomado atitudes, com o amparo legal, em nível nacional e internacional, para produzir o medicamento localmente, a um custo inferior. Apesar das ameaças de uma diminuição no desenvolvimento tecnológico por parte da indústria farmacêutica, o Brasil manteve sua intenção em obter a licença compulsória, no que foi apoiado por muitos países e organismos internacionais. Isto garantiria melhor estabilidade financeira no caso de um aumento significativo do número de pessoas necessitando de tratamento. Assim, o Brasil tem-se tornado um modelo de autonomia para o mundo, no campo dos direitos humanos.
Então, as recentes notícias de que o Ministério da Saúde do Brasil decidiu renegociar com a Abbot e continuará a comprar kaletra da indústria farmacêutica tem nos surpreendido. O Movimento Social Brasileiro de Luta contra a Aids reconheceu o novo acordo como um passo atrás, que porá em risco a sustentabilidade de nossas políticas de tratamento, com conseqüências danosas para nós mesmos e para países sem capacidade de prover medicamentos para as pessoas vivendo com HIV e Aids. Nós entendemos que o investimento em tecnologia é necessário e o lucro da indústria é legítimo. Mas por outro lado, nós estamos falando sobre vidas humanas e a possibilidade de continuar a viver, e eu não estou pensando exclusivamente em termos de Brasil.
Nosso desafio, como cidadãos do mundo, é encontrar um equilíbrio razoável entre as necessidades da indústria e as necessidades das pessoas, ou, não sendo possível, simplesmente reconhecer que o único caminho para obter tratamento em certas situações é a produção de genéricos. Nós não podemos aceitar um mundo onde os interesses financeiros são considerados mais importantes que a vida. Um esforço global precisa ser direcionado para salvar vidas, não para defender interesses econômicos das companhias farmacêuticas. Vamos pensar seriamente sobre isto.
Muito obrigado”