Notícias

Bayer

23/05/2003 - O ESTADO DE SÃO PAULO

Bayer vendeu remédio com risco de transmitir HIV

Empresa reteve produto na Europa e EUA, mas manteve comercialização na Argentina e na Ásia

NOVA YORK - A indústria farmacêutica Bayer vendeu nos anos 80 na Argentina e em países asiáticos um remédio com alto risco de transmitir aids para pacientes hemofílicos. Na Europa e nos Estados Unidos, porém, a indústria distribuiu uma versão alterada e mais segura do produto. A denúncia foi apresentada ontem pelo jornal The New York Times, baseada em documentos.

Uma unidade da Bayer, a Cutter Biological, começou a produzir o medicamento - que aumentava a capacidade de coagulação do sangue - em 1984, já que sua versão anterior estava infectando os hemofílicos com o HIV. A Cutter Biological, porém, continuou vendendo o perigoso remédio durante um ano na Argentina e em alguns países asiáticos, segundo apurou o jornal americano.

Em Hong Kong e Taiwan, mais de cem doentes contraíram o HIV após terem usado o medicamento antigo. Ainda não se sabe quantos foram contaminados na Argentina, Japão, Indonésia, Cingapura e Malásia, os outros países onde o remédio foi vendido, mesmo depois de a nova versão estar disponível.

"São os documentos internos de uma indústria farmacêutica mais incriminatórios que já se viu", disse o médico Sidney Wolfe, que, como diretor do Grupo de Investigação de Saúde Pública dos EUA, tem investigado as práticas da indústria durante três décadas.

Em uma declaração reproduzida pelo Times, a Bayer disse que a Cutter se comportou "responsável, ética e humanamente" na venda do produto para o exterior. Segundo a indústria, a distribuição ocorreu porque alguns clientes duvidavam da eficiência do novo medicamento, já que o processo de aprovação de venda em seus países era muito lento. Além disso, de acordo com a Bayer, a escassez de plasma impedia a produção em massa do novo remédio.

Mas, segundo o jornal nova-iorquino, um telex da Cutter para um distribuidor sugere que a companhia tinha contratos com preços fixados e perderia dinheiro caso trocasse a versão do produto. Um documento interno da empresa, de março de 1985, indicou que a Argentina "comprou 300 mil unidades e possivelmente solicite mais, e o Extremo Oriente pediu 400 mil unidades" do produto antigo.

A Bayer afirmou ontem, na Argentina, que a venda do remédio para hemofílicos que pôs em risco a vida dos pacientes foi uma decisão baseada "na melhor informação científica" existente na ocasião. A indústria enfatizou que o medicamento foi comercializado sob as normas sanitárias vigentes nos anos 80 e lamentou que nessa época "se desconhecia" que havia risco de transmissão de aids. "As decisões tomadas há duas décadas foram baseadas na melhor informação científica disponível na época e eram compatíveis com a regulamentação do momento; não podem ser julgadas com a informação disponível hoje."

O remédio antigo, chamado Fator 8 de Coagulação e produzido a partir do plasma de 10 mil doadores, tinha o poder de deter hemorragias, letais para os hemofílicos. Na época, os exames de aids não estavam desenvolvidos. Só nos EUA, milhares de pessoas foram contaminadas pelo HIV por usar medicamentos que continham sangue. A nova versão do remédio era aquecida para exterminar o vírus da aids. Segundo informações da Bayer no Brasil, o produto nunca foi fabricado nem vendido no País. (New York Times, AFP e EFE)