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DESAFIOS

01/12/2006 - GIV

AIDS, sustentabilidade e direitos humanos


DESAFIOS PARA O GOVERNO LULA

No contexto da epidemia da AIDS, o Brasil se destaca no cenário internacional, pois, desde 1996, os medicamentos anti-retrovirais - conhecidos popularmente como “coquetel” - são disponibilizados nos serviços públicos de saúde, o que permitiu a diminuição do número de mortes e o surgimento da vida como uma possibilidade para aqueles infectados pelo HIV.
Entretanto, apesar de importantes avanços, ao longo destes anos temos enfrentado vários desafios, entre eles a falta episódica de medicamentos, com momentos de fracionamento, dificuldade de compra e/ou distribuição.
Quem acompanha de perto o debate sobre a AIDS no país sabe que as saídas para a sustentabilidade do programa de distribuição de anti retrovirais envolvem uma complexa equação de interesses econômicos e políticos (nacionais e internacionais), tecnológicos, administrativos e gerenciais. Os grandes laboratórios não têm interesse em perder os lucros com a produção dos remédios e o Brasil vem adotando a estratégia de comprá-los. No entanto essa estratégia, diante dos elevados custos e do número de pessoas que demandam a medicação, é difícil de ser mantida. O governo se vê obrigado a estudar possibilidades, como a quebra de patentes, fato que pode ter conseqüências no cenário internacional, tanto da própria epidemia como nas relações comerciais.
Por outro lado, quebrar patentes também implica em capacidade de produção, acesso à matéria prima e à tecnologia, o que demanda do governo um planejamento eficaz para a implantação de todo um sistema de produção e distribuição.
Nessa balança das escolhas, e da resolução de complicadas equações, há de ter peso o fato de que o que está em jogo é a vida de milhares de pessoas. Entretanto, como temos visto com o triste caso da África, parece que para alguns a conta dos direitos humanos é inacessível e os preços e lucros tem sido mais importantes do que a vida.
No Brasil, pagamos a conta, e a necessidade de se pagá-la é indiscutível. As estimativas do governo indicam que no país existem 600 mil pessoas com HIV, destas, aproximadamente180 mil fazem uso do “coquetel”.A falta de medicamentos seria um pesadelo, um genocídio com conseqüências terríveis e inimagináveis.
Portanto, o fato de que precisamos distribuir medicamentos não está em debate. O que se debate é a sustentabilidade desta iniciativa. Neste contexto existem perguntas fundamentais: Precisamos continuar pagando para laboratórios internacionais 4 vezes mais do que o preço que teríamos se produzíssemos os mesmos medicamentos no país? (chegamos a pagar $ 1350 por um remédio que poderia custar $350) Como estruturar e garantir a capacidade de produção local? Quais estratégias para lidar com possíveis retaliações comerciais? Como ter autonomia em casos como o da gammaglobulina, medicamento que não é de uso exclusivo de crianças com AIDS, e que neste momento falta nos hospitais públicos?
Apesar das nossas vitórias, a AIDS ainda é um desafio para o Brasil, tanto no que se refere à assistência como a prevenção, e dentre tantos pontos sensíveis, a sustentabilidade é um dos aspectos que mais demanda soluções.Esperamos que o governo Lula assuma o compromisso ético-político de buscar resoluções para essa complicada questão, que durante tantos anos vem sendo tratada como uma verdadeira “batata-quente”. Há que se ter uma vontade política de articular esforços de diferentes instâncias governamentais e segmentos sociais para a busca dos melhores caminhos locais e internacionais diante deste desafio. Precisamos de um projeto de sustentabilidade que se viabilize a médio e longo prazo.
Estes desafios estão colocados e os envolvidos na luta contra a AIDS no país não estão tranqüilos. Já não basta que as pessoas vivendo com HIV/AIDS tenham de enfrentar o preconceito, as doenças oportunistas, os efeitos colaterais dos remédios? Ainda temos que lhes imputar essa insegurança, este desassossego? Essa morte anunciada a conta gotas?
A única morte que nos interessa é a da violação dos direitos humanos, a de uma história da humanidade onde há o capitulo em que lucros e patentes são mais importantes do que a vida.Que todos os brasileiros, inclusive o nosso Presidente, nos ajudem a continuar a escrita de uma história do Brasil e da humanidade que inclua a garantia dos direitos humanos para todos -e não somente para os humanos que podem pagar a conta. Se não temos saídas, teremos que inventá-las! Deixemos de herança para as novas gerações uma história escrita pelo povo brasileiro em que solidariedade, direitos humanos e vida são palavras preciosas.

Elizabete Franco Cruz,psicóloga, mestre em psicologia social, doutora em educação, professora do curso de especialização em gestão educacional da Faculdade de Educação da UNICAMP. Ativista do GIV –Grupo de Incentivo a Vida e do Fórum de ONG AIDS do Estado de São Paulo.Co-autora, entre outros, de Fios da Vida, tecendo o feminino em tempos de AIDS (CN/DST/AIDS) e Daniel e Letícia falando sobre AIDS (Ed. Ave Maria)