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CIRCUNCISÃO E HIV

01/09/2008 - aidsmap

O efeito protetor da circuncisão contra o HIV

O efeito protetor da circuncisão contra o HIV mantém-se por, pelo menos, 3.5 anos e também resulta contra o HPV

Gus Cairns, Wednesday, August 13, 2008 (aidsmap)

De acordo com o diretor do ensaio clínico randomizado sobre circuncisão, levado a cabo em Kisumu, no Quénia, o efeito protetor da circuncisão contra o HIV mantém-se durante, pelo menos, 42 meses depois da intervenção cirúrgica. Estas conclusões foram apresentadas na XVII Conferência Mundial de AIDS, na Cidade do México.

Numa outra apresentação, um investigador de outro ensaio clínico randomizado (de Orange Farm, na África do Sul) referiu que a circuncisão também oferecia algum grau de proteção contra o vírus das verrugas genitais, o Vírus do Papiloma Humano (HPV); como é sabido, algumas estirpes deste vírus podem causar cancro do colo do útero e cancro anal.

Segundo Robert C. Bailey, o investigador principal do ensaio de Kisumu, alguns investigadores mais cépticos perguntavam-se se haveria alguma evidência de que o efeito protetor persistiria para além do período de dois anos de duração dos ensaios clínicos sobre circuncisão.

Bailey referiu que o resultado do follow-up (ou seja, do seguimento) de 42 meses (3.5 anos) dos participantes no ensaio mostrou que o efeito protetor se manteve. De fato, ele reviu mesmo a sua estimativa respeitante a este efeito protetor, passando-a de 53-59% para 65-70%, em parte porque algumas aparentes seroconversões em homens circuncisados eram afinal falsos-positivos.

Os resultados aos 24 meses do ensaio de Kisumu, no qual 2.784 jovens adultos do sexo masculino haviam sido randomizados para circuncisão imediata ou para a oferta de circuncisão depois do estudo terminar, mostraram um efeito protetor de 53% numa análise em intenção de tratar (i.e. tratando todos os participantes que não tinham sido circuncisados como se tivessem sido), e de 59% num análise dos tratados (análise que incluía os homens que tinham, de fato, sido circuncisados).

Esses resultados mostravam que 22 dos homens que tinham sido circuncisados tinham sido infectados, por comparação com 47 dos homens que não se tinham submetido a esta pequena intervenção cirúrgica .

Na realidade, os verdadeiros valores foram os seguintes: 18 homens circuncisados foram infectados, contra 45 homens pertencentes ao outro grupo; esta diferença em relação aos primeiros valores ficou a dever-se a alguns fatores, como a presença de alguns resultados falsos-positivos. Esta reavaliação aumentou o efeito protetor da circuncisão para 60%.

Depois do fim do ensaio, os homens do grupo de controle podiam submeter-se à circuncisão e 42% deles escolheram, de fato, fazê-la.

Quando interrogado sobre a razão por que mais homens não tinham escolhido a circuncisão depois de conhecerem os resultados do estudo, Robert Bailey respondeu que isso se ficou a dever, em parte, ao fato de estar em causa uma população muito móvel de homens jovens, e que muitos, no fim, se haviam mudado para outras cidades, como Mombaça ou Nairobi.

Ao fim de 42 meses, 1.545 membros do grupo original do ensaio (55%) ainda se encontrava disponível para follow-up. Assim, desde a avaliação aos 24 meses e até esta avaliação aos 42, registraram-se mais 5 infecções entre os homens circuncisados e 17 entre os não circuncisados, o que se traduzia numa taxa de infecção de 2,6% nos homens circuncisados e de 7,4% nos não circuncisados, fazendo o efeito protetor subir até aos 70%.

Quando apenas eram contabilizados os homens originalmente randomizados para circuncisão, este valor caía ligeiramente. No presente, a taxa de incidência anual para os homens circuncisados foi calculada em 0,77% ao ano, e em 2,37% ao ano no caso dos homens não circuncisados, o que se traduz num efeito protetor de 65%.

O investigador principal do estudo, Robert Bailey, referiu ainda que os participantes no ensaio clínico iriam ser estudados até Setembro de 2009, fornecendo, assim, cinco anos de dados clínicos.

“Estes resultados reforçam a posição que defende a oferta da possibilidade de circuncisão, o mais depressa possível, numa variedade de locais de epidemia generalizada”, referiu ainda Robert Bailey.

Circuncisão e ITSs
Dirk Taljaard, um investigador do ensaio clínico randomizado de Orange Farm, na África do Sul, apresentou os resultados de um sub-estudo sobre os efeitos da circuncisão em três outras ITS (infecções de transmissão sexual): a gonorréia, a tricomoníase e a infecção provocada pelo HPV (vírus do papiloma humano).

Os resultados mostraram que a circuncisão não oferecia qualquer proteção contra a gonorréia: a taxa de infecção nos homens não circuncisados e nos homens circuncisados era de 10,3 e 10,4%, respectivamente.

Por outro lado, pareceu oferecer algum grau de proteção contra a tricomoníase: 3,1% dos homens não circuncisados versus 1,7% dos circuncisados estavam infectados na avaliação de follow-up, o que revelava um efeito protetor de 46%, valor no limite do significado estatístico.

No que se refere à infecção pelo HPV, contudo, a circuncisão demonstrou oferecer um significativo grau de proteção, nomeadamente em relação a 13 tipos de vírus de elevado risco, ou seja, em relação às estirpes virais associadas ao câncer do colo do útero, do ânus e do pénis.

Na avaliação de follow-up, 24,8% dos homens não circuncisados e 15,8% dos circuncisados tinham sido infectados com novos tipos de HPV, traduzindo-se num efeito protetor de 47%, estatisticamente significativo (p=0,0012). Depois do ajustamento, o efeito protetor mostrou-se mais pequeno (36%), mas ainda estatisticamente significativo.

Este estudo é o primeiro a mostrar um tal efeito protetor da circuncisão e explica por que razão as mulheres com parceiros circuncisados apresentam uma menor probabilidade de se infectarem com HPV de alto risco ou com tricomonas. Os autores do estudo sugerem que estes dados vêm reforçar a necessidade de implementar a circuncisão nos homens em África.

Referências

Bailey RC et al. The protective effect of male circumcision is sustained for at least 42 months: results from the Kisumu, Kenya trial. XVII International AIDS Conference, Mexico City, abstract THAC0501, 2008.

Auvert B et al. Effect of male circumcision on human papilloma virus, neisseria gonorrhoeae and trichomonas vaginalis infections in men: results from a randomized controlled trial. XVII International AIDS Conference, Mexico City, abstract THAC0502, 2008.