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SEMINÃRIO DE DH E HIV

13/05/2010 - Agência Aids

Ativistas e juristas debatem a criminalização da transmissão

"É um absurdo juízes e promotores aceitarem denúncia de tentativa de homicídio para casos de transmissão do HIV”, disse o ativista Jorge Beloqui."

A critica aconteceu no seminário “A Criminalização da Transmissão do HIV”, que está sendo promovido pelo Grupo de Incentivo à Vida (GIV) no Ministério Público Estadual de São Paulo (MPE). O objetivo do evento é debater com militantes, gestores de saúde e profissionais do direito algumas questões que envolvam o vírus da aids no Poder Judiciário brasileiro, em especial na área criminal.

O movimento de luta contra a aids classifica como "criminalização ou judicialização do HIV" os processos em que um portador do vírus é condenado na justiça por transmiti-lo para outras pessoas.

Beloqui (foto) é membro do Grupo de Incentivo à Vida (GIV) e é contra a classificação do ato da transmissão como tentativa de homicídio. A justificativa dele é que a aids não é mais considerada uma doença letal, por conta do advento do tratamento antirretroviral. Também alegou que a responsabilidade pela transmissão é compartilhada. “Quando duas pessoas se relacionam sem qualquer tipo de coerção e sem uso do preservativo, é negligência de ambas as partes”, explicou.

Tendo como base esse entendimento, ele citou um caso de 2005 em que a justiça condenou um homem por tentativa de homicídio devido à transmissão do HIV para a amante. “É um absurdo culpar uma pessoa em vez de responsabilizar as duas", protestou.

O advogado Marcelo Guimarães, consultor jurídico da Agência de Notícias da Aids, explicou que, independente do crime cometido, a função da justiça é verificar a intenção do acusado. “Cada caso necessita ser estudado separadamente, não é possível estabelecer uma regra para todo mundo”, explicou.

A promotora e coordenadora da área de Direitos Humanos no Ministério Público Estadual de São Paulo (MPE) , Deborah Affonso, acrescentou que os processos criminais envolvem uma série de questões, não são uma ciência exata. “É por isso que há tanta burocracia em um processo criminal, justamente para poder dar o direito de defesa a todas as partes envolvidas. O MPE age para fiscalizar a lei, é sua função. Se ela não é boa, precisamos discutir em outros espaços de debate, com o poder Legislativo”, afirmou.

Crime

As leis específicas envolvendo os direitos das pessoas vivendo com HIV/aids na América Latina receberam destaque das discussões de abertura do seminário em São Paulo.

No ano passado, o governo federal lançou uma compilação de estudos sobre o tema em parceria com a Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO), a Agência de Cooperação Técnica Alemã (GTZ) e o Centro Internacional de Cooperação Técnica em HIV/aids (CICT), que é uma iniciativa do Departamento de Aids do Ministério da Saúde e do Programa das Nações Unidas para a Aids (Unaids.)

O panorama e alguns resultados do estudo foram apresentados no evento pelo consultor jurídico em HIV/aids e participante da publicação Marcelo Guimarães.

Ele citou o Projeto de Lei (4887/2001) na Câmara dos Deputados de autoria do ex-parlamentar Feu Rosa (PSDB-ES), cuja a ideia é transformar em crime a transmissão do HIV.

Marcelo leu a justificativa do projeto: “Existem casos em que as pessoas portadoras de determinadas doenças, entre as quais se inclui a aids, procuram, por razões psicológicas, até cooptar novos elementos, a fim de criar um especial ´vínculo e solidariedade´."

O texto provocou risos na plateia. “O projeto é sério, tramita na Câmara”, respondeu Guimarães.

Outro projeto que segue na mesma linha é o de número 130/1999, autoria de Enio Bacci (PDT-RS). Ele trata a transmissão do vírus como um crime hediondo, ou seja, quando o legislador entendeu merecer maior reprovação por parte do Estado.

Transmissão do HIV foge do controle do indivíduo, diz Departamento de DST/Aids

A diretora do Departamento de DST/Aids e Hepatites Virais, Mariângela Simão, apresentou a situação da epidemia no País. De acordo com o governo, baseado em dados de 2008, mais de 90% da população conhece as vias de infecção do HIV e o uso do preservativo como forma de prevenção ao vírus. “Mas, existem contextos de vulnerabilidades à infecção pelo vírus que vão além do indivíduo, é muito complexo”, declarou. Um exemplo, segundo ela, é a questão de gênero. “Há desigualdades entre homens e mulheres, muitas vezes elas não conseguem negociar com o parceiro o uso do preservativo”, explicou.

Em entrevista, Mariângela diz que o ideal é jamais existir jurisprudência ou leis que generalizem os casos de criminalização do HIV. “Cada situação é única e deve ser analisada de forma individual. As pessoas têm o direito de não revelar a sorologia do HIV, isso é algo íntimo. Mas, têm o dever de usar preservativo”, explicou.

O seminário é realizado em parceria pela Coordenadoria de Políticas Públicas para Diversidade Sexual, da Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania; o Ministério Público Estadual; a Defensoria Pública de São Paulo; e a Ordem dos Advogados do Brasil – Secção São Paulo - juntamente com a ONG Grupo de Incentivo à Vida. O evento segue até esta próxima sexta, 14 de maio.