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SEMINÃRIO DH E HIV

14/05/2010 - Agência Aids

"à impossível controlar a privacidade das pessoas"

Durante seminário, gestor, ativista e advogados afirmam que são contra criação de leis para criminalizar a transmissão do HIV em relações sexuais consentidas

"É impossível controlar a privacidade das pessoas", disse o coordenador da Comissão de Direitos Humanos da OAB/SP Martim Sampaio

Propostas eleitoreiras, aumento do preconceito contra soropositios, diminuição da procura pelo teste de HIV. Estes foram alguns argumentos utilizados por representantes de diferentes setores sociais contra a criação de leis para criminalizar a transmissão do vírus da aids em relações sexuais consentidas. Atualmente existem pelo menos dois projetos de lei que contemplam a penalização.

Para o coordenador-adjunto do Programa Estadual DST/Aids de São Paulo, Arthur Kalichman, criminalizar a infecção pelo HIV é uma ação repressiva. “A consequência é que a procura pela testagem diminuiria e haveria mais pessoas com HIV sem acompanhamento médico”, disse.

Arthur leu a nota técnica do Programa Estadual de DST/Aids de São Paulo contra essas propostas. De acordo com o documento, criminalizar a transmissão do HIV “é o caminho mais curto para o preconceito, o estigma e a discriminação”. A nota foi publicada em julho do ano passado.

O coordenador da Comissão de Direitos Humanos da Ordem de Advogados do Brasil em São Paulo (OAB/SP) Martim Sampaio, declarou que o documento reflete a posição da entidade que ele integra. “O que se pretende com esses projetos de lei é regredir para a idade média, quando a pessoa doente era criminalizada”, declarou.

Segundo Martim, o Brasil fracassou em prevenir e tratar adequadamente as pessoas com HIV/aids. “É mais fácil criminalizar. Mas não adianta, é impossível controlar a privacidade das pessoas. A tentativa é demagógica e eleitoreira”.

Argumentos contra a penalização pela infecção do vírus da aids também não faltaram na fala do coordenador de Assuntos da Diversidade Sexual da Prefeitura de São Paulo, Gustavo Menezes. Entre eles, o fato da transmissão do HIV ser de corresponsabilidade entre as pessoas que mantém relação sexual, e não apenas de uma delas, e a dificuldade para a obtenção de provas para a condenação.

“Vários países possuem legislação para criminalizar a tansmissão do HIV. Mas os textos são imprecisos e ofendem os direitos sexuais”, avaliou.

O presidente do Grupo de Incentivo à Vida (GIV) Cláudio Pereira declarou que cada caso de denúncia precisa ser analisado separadamente. “Mesmo assim não há necessidade de criar leis para tornar crime a infecção pelo HIV, já que na relação não consentida já existem dispositivos legais de penalização”.

Serviço

O seminário “A Criminalização da Transmissão do HIV” está sendo promovido pelo Grupo de Incentivo à Vida (GIV) no Ministério Público Estadual de São Paulo (MPE) no dias 13 e 14. O objetivo do evento é debater com militantes, gestores de saúde e profissionais do direito algumas questões que envolvam o vírus da aids no Poder Judiciário brasileiro, em especial na área criminal.

Leia a seguir a nota técnica do Programa Estadual na íntegra


Tendo em vista a recente manifestação do Departamento de DST e Aids dirigida à sua Excelência o Sr. Ministro Marco Aurélio de Farias sobre ação criminal contra pessoa acusada de transmitir o HIV, a tramitação de outros processos judiciais envolvendo a criminalização da transmissão e exposição ao HIV e as várias solicitações de manifestação sobre esse tema, esta Coordenação Estadual vem manifestar sua preocupação com vários aspectos que envolvem a questão:

1) É sabidamente reconhecido o combate ao preconceito, estigma e discriminação, ao longo da história da Aids em nosso Estado, no país e no mundo como importante ferramenta no controle da epidemia. Assim sendo, esta Coordenação se soma a todos os envolvidos da área da saúde, da justiça e do ativismo social, sejam pessoas vivendo ou não com HIV/Aids, para alertar sobre os riscos trazidos pela criminalização, no sentido do acirramento dessa discriminação. Tal preocupação se justifica na medida que o deslocamento do debate e da atenção às pessoas portadoras do HIV do âmbito da saúde para o âmbito da justiça, quando não é pautado pela defesa dos direitos dos cidadãos, em nada contribui para o fortalecimento de respostas efetivas à epidemia. Pelo contrário, pode levar a retrocessos e perdas.

2) Nas relações interpessoais não consensuais como o estupro, a violência doméstica, a exploração sexual, a pedofilia e outras formas de coação, o crime já está caracterizado e definido no âmbito do direito. Os danos envolvidos nessas situações (ferimentos, transmissão de doenças, gravidez indesejada ou sofrimento mental) serão um agravante a esse crime e as penas já estão estabelecidas na legislação vigente.

3) Na saúde, é dever dos profissionais, em suas mais variadas esferas e níveis de responsabilidade e gestão, fornecer à população orientações e informações corretas, claras e atualizadas e disponibilizar o acesso aos meios cientificamente reconhecidos de promoção, prevenção, tratamento e recuperação da saúde, dentro dos princípios da cidadania, da ética, do sigilo e da equidade, respeitando a vontade soberana dos indivíduos. É o acesso a esses recursos que permite à população exposta a tomada de decisão, a superação de vulnerabilidades e a adoção de práticas seguras.

4) Em se tratando da transmissão e exposição ao HIV, naquelas relações consensuais (onde não está presente o uso da violência em qualquer uma de suas formas), criminalizar o processo saúde-doença e estabelecer limites para a intencionalidade, o autoconhecimento, o nível de informação dos envolvidos é o caminho mais curto para o preconceito, o estigma e a discriminação.

Por fim, esta Coordenação manifesta seu apoio às iniciativas de revisão da legislação vigente no que tange à menção dos processos saúde – doença como agentes passíveis de serem utilizados com intenções criminosas, uma vez que é preciso atualizá-la à luz dos novos conhecimentos e reafirma seu parecer contrário a qualquer movimento no sentido da criminalização da transmissão/exposição ao HIV.

São Paulo, 16 de julho de 2009


Dra. Maria Clara Gianna Garcia Ribeiro

Diretor Técnico de Departamento de Saúde
Coordenador do Programa Estadual DST/AIDS