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HIV/AIDS NA ROMÃNICA

08/12/2010 - Le Monde

Prevenção da Aids é interrompida na Romênia

Ele é o primeiro paciente com Aids a entrar com um processo contra o Estado romeno. No dia 3 de novembro, Cristian Rosu, um ex-militar de 43 anos, acusou o Ministério da Saúde de ter lhe recusado o tratamento contra a doença que contraiu em 1996, durante uma missão no exterior.

“O governo romeno não respeita a Constituição, que me garante o direito à vida”, afirma. “Os governantes nos impõem um modelo de seleção natural, segundo o qual sobrevive quem pode. Nós, os doentes de Aids, estamos acuados, e os médicos só precisam puxar o gatilho. Estou processando o Estado romeno porque me recuso a ser tratado como uma cobaia. Outros seguirão, estou só dando o exemplo”.

A Romênia corre o risco de uma nova onda de contaminações. Em junho, a torneira dos financiamentos internacionais que permitiam instaurar uma política eficaz de prevenção à Aids foi fechada. O Fundo Global de Combate à Aids, Tuberculose e Malária interrompeu os subsídios pagos às associações romenas. Quatro anos após sua adesão à União Europeia, a Romênia na verdade passou da condição de país em desenvolvimento para o de país desenvolvido. Ora, o Fundo Global, que garante um quarto do financiamento internacional dos programas contra a Aids, privilegia os países subdesenvolvidos e em desenvolvimento.

A Romênia, portanto, deve agora garantir por si mesma o financiamento de seus programas de combate à Aids. Mas a batalha está longe de estar ganha: a crise econômica, que atinge o país desde 2008, levou o governo a adotar uma política de austeridade. E o orçamento da saúde para 2011, que o Parlamento acaba de aprovar, prevê uma queda de 40% em relação a 2010.

“Se não recebermos a verba para garantir os tratamentos contra a Aids, teremos um problema sério”, adverte Adrian Streinu-Cercel, secretário de Estado do Ministério da Saúde. “Nós corremos o risco de uma mutação do vírus. Não quero pensar nessa possibilidade, mas devo levá-la em consideração.”

As origens do drama da Aids na Romênia remontam ao fim da ditadura comunista. Em 1987, enquanto o país sofria todo tipo de escassez, as enfermeiras precisavam fazer transfusões diárias de sangue nas crianças anêmicas. A utilização de seringas usadas levou à contaminação de 10 mil crianças pelo HIV.

Após a queda do regime comunista, em dezembro de 1989, a ajuda internacional favoreceu a mobilização das redes de associações. Em 2000, a Romênia havia se tornado um país exemplar em matéria de combate à Aids. Mas, dez anos mais tarde, ela volta a ser problemática. Sessenta por cento das 10 mil crianças contaminadas no fim dos anos 1980 sobreviveram, mas deixaram de ter acompanhamento regular, e agora estão em idade de manter relações sexuais. A porcentagem de crianças contaminadas continua muito elevada. Segundo a Cruz Vermelha, a Romênia possui atualmente 16.433 soropositivos.

Nesses últimos meses, diversos departamentos anunciaram que haviam suspendido os tratamentos por falta de financiamento. Oficialmente, cerca de mil pacientes já interromperam sua terapia. Segundo a fundação Romanian Angel Appeal (RAA), organização local de combate à Aids, os programas de prevenção custariam ao Estado cerca de 10 milhões de euros ao ano. “É menos que a manutenção da antiga Casa do Povo construída por Nicolae Ceausescu”, se revolta Silvia Asandi, diretora dessa fundação.

O risco de uma nova onda de contaminações também cresceu em razão de uma má gestão do consumo de drogas. País de trânsito nos anos 1990, a Romênia se tornou um país de consumo. Ela possui meio milhão de usuários de drogas (em 22 milhões de habitantes), dos quais 17.400 são dependentes de heroína só em Bucareste.

Nos últimos anos, o país se orgulhava de apresentar um índice de somente 1% de infecção pelo HIV entre os consumidores de drogas, o mais baixo da Europa Ocidental. Esse sucesso se devia à eficaz Agência Nacional Antidrogas (ANA), criada em 2003. Mas em março de 2009, a ANA teve seu orçamento cortado e perdeu sua independência, tornando-se um simples departamento da polícia.

A consequência dessa decisão, muito contestada pelas associações, foi um estouro nas estatísticas de consumo de drogas. Em 2010, o número de consumidores deverá ser cinco vezes mais elevado que no ano passado. Em 2009, as associações distribuíram mais de 1,6 milhão de seringas, mas esse programa agora não passa de uma lembrança distante.

A nova política de austeridade e a interrupção dos programas de prevenção podem expor a Romênia a uma nova onda de infecções. “Nós vamos todos sair às ruas”, declarou Cristian Rosu. “Se o governo romeno não assumir suas responsabilidades, iremos até o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos”.

Tradução: Lana Lim