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"COMO VOCÊ PEGOU HIV?", A PERGUNTA INÚTIL

01/11/2017 - Lado Bi

Enfrentar o estigma ao revelar ser soropositivo já é difícil. Ser forçado por alguém a explicar seu passado é pior ainda.

Enfrentar o estigma ao revelar ser soropositivo já é difícil. Ser forçado por alguém a explicar seu passado é pior ainda.

Eu havia acabado de me abrir para ele e contado meu segredo mais profundo e mais escuro. Ele não era a primeira pessoa para quem eu revelava isso, e não seria o último, mas cada vez que eu revelo meu status sorológico eu preciso reunir toda minha força e coragem. Eu sou muito aberto quanto a ser soropositivo. Mesmo assim, dizer “eu sou soropositivo” para alguém ainda dá um nó na minha cabeça.

Depois que o desconforto inicial passou, ele perguntou “você sabe como é que você pegou?”. Peraí, que foi? Eu acabei de me expor a uma rejeição em potencial, e fui jogado de escanteio com uma indagação sobre algo ainda mais pessoal sobre minha vida privada? Ele também não foi o primeiro a querer saber como é que eu me tornei soropositivo, e a maneira como ele perguntou não era incomum, nem estava entre as campeãs na competição de grosseria. Não importa, essa pergunta fez eu me retorcer, ao mesmo tempo que eu revirava os olhos mentalmente.

Eu sou super a favor de contar como eu me tornei soropositivo, especialmente se minha história vai trazer conforto, ajudar alguém a se ver na mesma situação, ou até mesmo educar outras pessoas. Mas essa história é minha, e eu quero contá-la no lugar certo e na hora certa, quando eu decidir que devo. Se você é alguém que eu estou começando a conhecer, é muito errado querer saber sobre isso, ainda mais depois que eu acabei de revelar meu status. Não importa como eu responda, o que eu disser vai mudar sua opinião sobre mim.

“Eu apenas não estava usando proteção e estava sendo promíscuo.” OK, então agora eu sou vadia. “Eu me tornei soropositivo porque num momento da minha vida eu utilizei drogas, e isso aconteceu ou porque eu compartilhei seringas, ou porque fiz sexo sem proteção.” Agora eu sou viciado e vadia. “Meu parceiro me traía.” Agora eu não passo de um idiota por deixar isso acontecer. “Eu não tenho muita certeza sobre como ou quando isso aconteceu.” Agora eu sou todas as anteriores.

Qual é a resposta que vai satisfazer quem faz essa pergunta? Qual é a resposta que vai evitar que quem pergunta isso me cubra com reprovação? Abrir o coração e compartilhar minha história e trajetória pessoal não deveria ser algo a ser evitado, mas, para mim, os detalhes de como eu me tornei soropositivo não são da conta de ninguém a não ser que eu decida o contrário. Eu não preciso de nenhuma carga extra de culpa ou de vergonha para cima de mim por causa de um único momento da minha vida. No que diz respeito a essa pessoa, tanto faz se esse momento está entalhado para sempre na minha mente, ou então vem me causando angústia há anos porque eu não faço a menor ideia do que aconteceu.

Uma versão que apresente o que muitos consideram ser uma resposta “sem culpa” – um parceiro que pulava a cerca ou algo do gênero – costuma provocar imediatamente toda aquela cena do “pobrezinho”. Eu também não preciso da sua pena ou da sua assessoria. Se eu consegui juntar a coragem para revelar meu status, está bem claro que eu já lidei o suficiente com meus sentimentos para ser capaz de pronunciar aquelas palavras. Dar de ombros enquanto você dá uns tapinhas nas minhas costas e me diz que “tudo vai ficar bem” não ajuda.

Minha reflexão aqui é pura emoção. Não é amargura e não é raiva, e com certeza não é um pedido para ser aceito. Muitos dos que vão ler isso certamente já passaram por essa situação mais de uma vez. E para aqueles que já estiveram na situação de fazer essa pergunta, está tudo bem. Agora você conheceu um ponto de vista que talvez o faça reconsiderar antes de perguntar isso novamente.

A vergonha, quando se trata de HIV, vem de muitas formas. E todas magoam. Eu não discuto “como eu peguei” a sério já faz alguns anos. Eu sempre mantenho a história breve e simples. Eu era casado, ele pulou a cerca e pronto. Mas a verdade é que eu simplifiquei a história porque eu tenho vergonha de não saber ao certo como é que isso aconteceu.

Pode ser que essa versão seja verdade? Certamente, já que eu nunca mais encontrei ou falei com meu ex desde que terminamos. É possível que eu tenha me infectado durante algum dos encontros sexuais sem proteção que eu tive logo depois de terminar meu relacionamento? Mais uma vez, sim, apesar de que eu já me convenci de que esses encontros provavelmente não são os responsáveis, já que eu não era o passivo. Além do mais, depois que eu me descobri soropositivo eu procurei esses caras e perguntei na lata qual era o status deles, e obtive respostas satisfatórias. Talvez as culpadas sejam as tatuagens que eu fiz num país subdesenvolvido durante meu relacionamento? Talvez.

A verdade é que eu não sei, e admitir isso me faz sofrer. Isso me faz reviver uma época da minha vida em que eu estava desesperado para descobrir a resposta para essa pergunta. A mesmíssima pergunta que alguém que eu mal conheço acha que não há problema em me fazer. Todo soropositivo tem sua própria história de como foi infectado com o vírus HIV. Queiram contá-la ou não, o que eu espero é que estejam cientes do seu status, mantenham-se saudáveis e não sintam vergonha.

Por Marcio Caparica. Traduzido do artigo de David Duran para o site The Body.

Publicado em 22/10/2014
Fonte: Lado Bi
http://ladobi.com.br