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Aids aumenta o analfabetismo na Ãfrica.

25/05/2003 - O GLOBO

Países mais afetados a caminho de inviabilizar suas economias.

Alarmado com a drástica redução da expectativa de vida nos países africanos mais afetados pela epidemia de Aids, o economista Pedro Cavalcanti Ferreira, coordenador do mestrado em Finanças e Economia Empresarial da Fundação Getúlio Vargas (FGV), resolveu estudar o impacto da doença na educação dos africanos e, conseqüentemente, na economia desses países. No estudo "O impacto econômico da Aids a longo prazo", feito em parceria com Samuel de Abreu Pessoa com base em dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), o economista mostra que os países mais afetados estão a caminho de inviabilizar completamente suas economias. "É possível que haja uma catástrofe, com fome generalizada porque não há produção", diz ele.
Roberta Jansen

Como a epidemia de Aids está afetando a escolaridade nos países africanos mais atingidos pela doença?

PEDRO CAVALCANTI FERREIRA: Como a expectativa de vida nos países mais atingidos está caindo muito (na Zâmbia, por exemplo, ela é de 38 anos, e em Botsuana e Malauí é de 39 anos - até 20 anos menos do que seria sem a epidemia), o incentivo para que as pessoas invistam em si mesmas é muito pequeno. Como o tempo de vida é curto e ficar na escola custa caro, sobretudo para as famílias já afetadas pela doença, a escolaridade está diminuindo. Em 2002, na Suazilândia, houve uma redução de 20% a 36% no número de matrículas nas escolas. Na África do Sul, entre 1998 e 2001, a redução foi de 20% para o primeiro ano de escola.

A epidemia afeta também o quadro de professores?

FERREIRA: Sim, há uma carência grande de professores porque a taxa de mortalidade da doença é muito alta e leva um tempo para formar um profissional desses. Os países mais afetados estão perdendo mão-de-obra qualificada, que é mais cara de repor.

A diminuição da escolaridade está relacionada à queda da renda per capita?

FERREIRA: A diminuição da escolaridade tem um impacto direto na renda per capita. A situação está ruim e vai ficar muito pior com a redução da renda, que provoca uma queda nos investimentos e, no futuro, uma queda nas vendas. O estudo mostra que nos países mais afetados a renda será 44% menor do que seria se não houvesse a epidemia. A escolaridade cai em 50%. Ou seja, eles serão mais pobres e menos educados.

A produção agrícola pode ser afetada diretamente?

FERREIRA: A doença afeta pessoas no auge de sua capacidade produtiva. Por isso, a estimativa é de que haja uma queda na produção agrícola de até 50%. Embora o consumo também vá cair, pode ser que a produção seja reduzida a um ponto em que será necessário importar alimentos ou contar com ajuda internacional de forma ainda mais intensa.

Qual o impacto da epidemia nas empresas?

FERREIRA: Há a perda dos funcionários qualificados e um aumento considerável no número de faltas ao trabalho, o que reduz a produtividade. Mesmo que a empresa não pague o coquetel anti-HIV, há aumento dos custos diretos com doentes.

Essa situação poderia inviabilizar esses países? Gerar uma catástrofe?

FERREIRA: Eles estão se encaminhando para isso. Se vai chegar a ser uma catástrofe, com fome generalizada porque não há produção, eu diria que é possível. Porque as cadeias de distribuição também estão sendo afetadas. Mas entre o possível e o quão provável é difícil se situar.

Como você analisa a situação do Brasil?

FERREIRA: O Brasil, que é muito parecido com a África do Sul do ponto de vista econômico e social, é um bom experimento controlado. Aqui, como houve uma resposta radical, a expectativa de vida não foi afetada e o impacto nas empresas é mínimo. A África do Sul é o que seríamos se não tivéssemos feito nada.