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CONTROLANDO O COLESTEROL

10/03/2004 - The New York Times

Níveis de colesterol devem ser ainda menores, diz estudo

Reduzir o colesterol muito além dos níveis recomendados pela maioria dos médicos pode reduzir substancialmente o risco de pacientes cardíacos morrerem de um ataque cardíaco, revelou um estudo.
Os resultados do estudo, disseram cardiologistas, mudarão muito a forma como os médicos tratam os pacientes de doença cardíaca e promoverão uma reavaliação de quão baixos devem ser os níveis de colesterol, mesmo para pessoas sem problemas no coração.
O estudo comparou altas doses de um dos mais poderosos medicamentos para redução de colesterol, o Lipitor, de fabricação da Pfizer Inc., com um medicamento menos potente, o Pravachol, de fabricação da Bristol-Myers Squibb, que financiou o estudo. Os pacientes que tomaram o Lipitor apresentaram um risco significativamente menor de sofrer ataques cardíacos ou precisar de cirurgia de ponte de safena ou angioplastia, revelou o estudo.
Ambos os medicamentos são estatinas, uma classe de droga que bloqueia a enzima sintetizadora do colesterol e é freqüentemente prescrita para pacientes com problemas cardíacos.
"Isto é realmente importante", disse o dr. David Waters, um professor de medicina da Universidade da Califórnia, em San Francisco, sobre os resultados.
"Nós temos em nossas mãos o poder de reduzir em muito o risco de doença cardíaca", disse Waters, que não participou da pesquisa. "É muito empolgante."
As diretrizes nacionais pedem por níveis de colesterol de lipoproteína de baixa densidade (LDL), o tipo que transporta colesterol para as artérias, abaixo de 100 miligramas por decilitro em pacientes de alto risco. Mas o estudo de dois anos, envolvendo 4.162 pacientes hospitalizados por ataque repentino de dor no peito por doença cardíaca, perguntou se a redução dos níveis de colesterol para bem abaixo de 100 miligramas seria benéfica. Ele descobriu que a resposta era sim.
O estudo, realizado por pesquisadores da Escola de Medicina de Harvard, será publicado na edição de 8 de abril do "New England Journal of Medicine", que divulgou agora os resultados porque foram apresentados em Nova Orleans, na segunda-feira, em encontros do Colégio Americano de Cardiologia.
Os pacientes no estudo foram divididos aleatoriamente para receber Lipitor em 80 miligramas por dia, a dosagem máxima, ou Pravachol em 40 miligramas, a dosagem máxima quando o estudo teve início. O colesterol dos pacientes caiu para dentro dos níveis especificados pelas diretrizes nacionais. (Apesar do Pravachol estar agora disponível em dose de 80 miligramas, os especialistas dizem que dobrar a dosagem não faz muita diferença em sua capacidade de reduzir os níveis de LDL.)
Quando o estudo teve início, o colesterol dos pacientes não estava acima do nível especificado pelas diretrizes nacionais. Mas aqueles que começaram a tomar o Lipitor eventualmente exibiram um nível médio de LDL bem abaixo disto -62, em comparação com 95 entre os que tomaram o Pravachol.
Em um mês, os pacientes tratados com Lipitor começaram a se sair melhor do que os que tomavam Pravachol em termos de menor índice de ataques cardíacos, cirurgia de ponte de safena, angioplastia e morte.
O estudo é parecido com um divulgado pela Pfizer no encontro da Associação Americana do Coração, em novembro, cujos resultados foram publicados na semana passada no "Journal of the American Medical Association". Este estudo também comparou a dosagem de Pravachol em 40 miligramas com a de Lipitor em 80 miligramas em pacientes cardíacos, à procura da taxa que as placas cresciam nas artérias coronárias. O Lipitor, revelou o estudo, deteve o crescimento das placas; o Pravachol as reduziu, mas não as deteve.
Mas a Bristol-Myers Squibb e alguns cardiologistas alertaram que o estudo da Pfizer, dirigido pelo dr. Steven Nissen, um cardiologista da Cleveland Clinic, não apresentou provas suficientes. O crescimento das placas, eles disseram, não era necessariamente o mesmo que redução de ataques cardíacos e mortes. A Bristol-Myers Squibb enviou sua força de vendedores para dizer aos médicos que aguardassem por um estudo mais definitivo antes de abandonarem o Pravachol.
Agora, disse o dr. Christie M. Ballantyne, professor da Faculdade Baylor de Medicina, parece que o nome do estudo -Prove -Avaliação da Pravastatina ou Atorvastatina e Terapia para Infecção- foi surpreendentemente apto.
"Eles provaram", disse ele. "Mas não acho que eles provaram o que esperavam provar. É notável."
O dr. Eric J. Topol, um cardiologista da Cleveland Clinic Foundation, chamou os resultados de uma mudança de maré.
"É um grande abalo", disse Topol. "É um ponto de vista totalmente diferente sobre o que as estatinas podem fazer."
Apesar dos pacientes tratados com Pravachol serem, até agora, considerados adequadamente tratados, sua taxa de ataques cardíacos, cirurgias de ponte de safena e angioplastia, sintomas como dor no peito e eventos como derrames e morte era de 26,3% em comparação com 22,4% para os pacientes tratados com Lipitor, uma diferença de 16%.
A taxa de mortalidade entre os pacientes tratados com Lipitor era 28% menor do que entre os tratados com Pravachol, e a taxa de mortalidade por doença cardiovascular era 30% menor.
Os pesquisadores disseram terem ficado particularmente surpresos porque o estudo visava mostrar que o Pravachol era tão eficaz quanto o Lipitor. Os pesquisadores especificaram em seu contrato com a Bristol-Myers Squibb, a patrocinadora, que os resultados seriam publicados independente do que apresentassem.
Especialistas em doenças cardíacas se queixaram de que o estudo não mostraria qualquer diferença por contar com apenas metade do número de pacientes necessários e que só foram acompanhados por metade do tempo. "Muitas pessoas acreditavam que quanto mais baixo, melhor", observou o dr. Daniel Rader, diretor de cardiologia preventiva da Escola de Medicina da Universidade da Pensilvânia. "Mas ninguém achou que este seria o estudo que provaria. Ele foi desenvolvido para provar o oposto."
Na verdade, disse Topol, apesar do estudo ter sido chamado de "Prove", muitos pesquisadores de doenças cardíacas brincaram que ele deveria ter sido chamado de "Prove O Quê?"
Nissen, da Cleveland Clinic, disse que os laboratórios "nunca patrocinam um teste como este, que tenha alguma chance de ir na direção errada".
Mas, ele acrescentou, "este teste saiu pela culatra porque as diferenças entre os dois medicamentos eram muito grandes".
O resultado do estudo representa mais uma má notícia para a Bristol-Myers, que está cambaleando devido a um escândalo contábil e uma linha de medicamentos para envelhecimento. O Pravachol apresentou US$ 2,8 bilhões em vendas no ano passado, o tornando o medicamento de melhor venda da empresa. Mas há anos o Pravachol tem perdido cada vez mais mercado entre as estatinas, e agora representa apenas 9% das novas prescrições. Este estudo, assim como a concorrência de um novo e poderoso medicamento da AstraZeneca, o Crestor, provavelmente aumentarão esta tendência de perda de mercado.
Na segunda-feira, as ações da Bristol-Myers caíram 33 centavos de dólar, para US$ 27,90, e as da Pfizer subiram 34 centavos de dólar, fechando a US$ 37,51.
Na Bristol-Myers Squibb, o dr. Andrew G. Bodnar, o vice-presidente sênior da empresa para estratégia e questões médicas e externas, disse: "Eu acho que fomos todos surpreendidos".
Mas, disse Bodnar, "é uma informação realmente, realmente importante".
Ele enfatizou que os resultados só se aplicam a pacientes como os do estudo, que estavam hospitalizados porque a placa em suas artérias coronárias estouraram. Quando isto acontece, se formam coágulos de sangue e eles bloqueiam o fluxo de sangue para o coração. O resultado são dores repentinas e esmagadoras no peito.
O vice-presidente da Pfizer para produtos cardiovasculares nos Estados Unidos, o dr. Gary Palmer, disse que os resultados "são notícias fantásticas" para pacientes como os do estudo "e um lembrete de quão bom é o Lipitor".
Bodnar acrescentou que era difícil imaginar que a simples redução dos níveis de LDL pudesse fazer tamanha diferença em apenas um mês.
"Eu considero inevitável, dados os resultados, que outras coisas também estejam em ação", disse ele.
Uma possibilidade, sugeriram ele e outros, é que quanto mais intensiva é a terapia, maior é o efeito na supressão da inflamação. Quando a placa está inflamada, ela apresenta maior probabilidade de arrebentar.
O estudo não significa que os médicos devam abandonar o Pravachol, disse Bodnar. Apesar das estatinas serem consideradas bastante seguras, e nenhum paciente no estudo ter sofrido qualquer dano sério ou permanente, os pacientes tratados com Lipitor exibiram mais efeitos colaterais. As enzimas do fígado foram elevadas em 3,3% deles, em comparação com 1,1% dos pacientes tratados com Pravachol. Quando isto acontece, os pacientes podem ser obrigados a reduzir a dosagem ou deixar de tomar o medicamento. Mais pacientes tratados com Lipitor (3,3%) do que pacientes tratados com Pravachol (2,7%) deixaram de tomar o medicamento devido a dores musculares ou elevação de enzimas.
Outros cardiologistas disseram que os resultados do estudo se aplicam a todos com alto risco, e alguns especialistas disseram que podem se aplicar a todos cujos níveis de colesterol são elevados.
O dr. Christopher P. Cannon, da Escola de Medicina de Harvard e principal autor do estudo, disse que os pacientes cardíacos deverão deixar o hospital após uma alta dose de estatina, algo que raramente acontece agora. Ele acrescentou que milhões de americanos que possuem níveis elevados de LDL, mas os ignoram, não devem mais fazer isto.
"Todos devem elevar a intensidade do tratamento de colesterol", disse ele. "Atualmente as pessoas tentam uma dieta e dizem: 'Ok, ok, eu vou trapacear um pouco'. E seus médicos dizem: 'Volte daqui seis meses'", disse Cannon. "Com sorte, isto servirá como alerta."
O dr. Eugene Braunwald, diretor do grupo da Escola de Medicina de Harvard que conduziu o estudo, disse que as pessoas com níveis de LDL superiores a 100, tenham ou não sintomas de doença cardíaca, são "um acidente prestes a acontecer" e devem reduzir tais níveis. Como outros entrevistados, ele disse que quanto menor, melhor.