Notícias

AIDS NA TERCEIRA IDADE

22/03/2004 - O Globo

Aids entre idosos dobrou em dois anos

Os lábios coloridos por batom, um colar de bijuterias enfeitando o pescoço, a blusa estampada e os cabelos presos em tranças sugerem uma mulher vaidosa. Enquanto conta, numa cadeira de rodas, suas escapadas pelas noites do Rio, a doméstica de 62 anos não consegue conter um sorriso maroto. Uma alegria momentânea, logo recolhida quando ela se lembra dos momentos em que percebeu estar doente. Foi no ano passado, num simples exame para identificar as causas de uma febre insistente, acompanhada de uma diarréia crônica. A doméstica havia contraído o vírus da Aids. Viu sua vida ruir e atualmente engrossa uma estatística sombria: é um dos 120 idosos infectados com o HIV no Rio, estatística que dobrou, em dois anos, na enfermaria do Hospital Universitário Gaffrée e Guinle, na Tijuca — referência nacional no atendimento da Aids.

Aventuras amorosas intensas e sexo sem camisinha

As aventuras amorosas da doméstica foram intensas, como as de muitas adolescentes: beijos na boca, troca constante de parceiros e noites de sexo sem camisinha. Nunca imaginou contrair o vírus com homens de sua faixa etária. Mas aconteceu. Os encontros sempre começavam com uma cervejinha num bar qualquer, entre o bairro de Botafogo, onde trabalhava como doméstica, e a Central do Brasil, ponto de partida dos trens que seguem para sua casa no subúrbio. No ano passado, fez exame de sangue, e agora a doença é monitorada.
O professor de clínica médica da UNI-Rio Fernando Ferry, médico do hospital da Tijuca, contou que, enquanto o número de diagnósticos de pessoas infectadas pelo vírus ficou estável em várias faixas etárias, em mulheres e homens de mais de 60 anos disparou. Em dois anos, os casos passaram de 52, em 2001, para 120 em 2003. Aumento de mais de 100%. Já é a faixa de maior incidência.
— Levantamos o problema há quatro anos, mas disseram que eram casos isolados do Rio. Só agora o governo federal parece reconhecer que a situação é grave em todo o país — disse Ferry.
O médico e também professor Rogério Neves Motta acredita que os motivos para o aumento no número de idosos com o vírus podem estar em vários fatores. O mais significativo está no prolongamento da vida sexual do idoso, fruto dos avanços da medicina, como a descoberta de novos medicamentos que melhoraram o rendimento sexual.
— Há também a melhoria no atendimento primário do médico, que ao ficar mais atento conseguiu diagnosticar os casos com mais rapidez — lembrou o médico Rogério Neves.
Com sua vida prolongada — os brasileiros estão vivendo mais — os idosos passaram a ter vida mais saudável e a freqüentar bailes dedicados à terceira idade. Ali, assimilaram a gíria dos netos e também aprenderam a “ficar”. Alguns até confessaram aos médicos que traíram seus parceiros.
— Não sei dizer ao certo com que parceiro eu contraí o vírus. Há 15 anos vivo com um homem que não tem Aids — confidenciou uma dona-de-casa de 61 anos.
Os médicos do hospital observam que, embora em franca ascensão, o número de anos de sobrevida no caso dos idosos é maior do que em outras faixas etárias.
— O idoso, quando tem a doença manifestada, é mais obediente na hora de tomar o coquetel, tem poucas complicações e a resposta do tratamento acaba sendo superior à de pacientes de outras faixas etárias — diz o médico Rogerio Motta.
Em 2003, pelo Hospital Gaffrée e Guinle passaram 4.638 pacientes, atendidos para exames de rotina para portadores de HIV ou fazer o teste da Aids. Nem todos estavam com a doença.
— Temos 2.500 pacientes em tratamento da Aids. E mais 900 crianças infectadas pelo vírus. Muitas pessoas comparecem à enfermaria sós, descobrem que estão com Aids, seguem à risca o tratamento, mas não contam para a família — lembrou o médico Ferry.
Uma dessas pessoas é um bombeiro hidráulico de 64 anos. Viúvo, um filho e 14 irmãos, ele esconde a doença da família.
— Ainda há muito preconceito contra os portadores do HIV. Idosos ou não — disse.
O adolescente tem mais medo de gravidez do que de contrair o vírus HIV: a constatação é uma das muitas de um uma pesquisa inédita do Núcleo de Estudos da Saúde do Adolescente (Nesa) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), com 380 jovens na faixa etária entre 13 e 19 anos. Do total de entrevistados, 90% afirmaram que conhecem e apontam a camisinha como melhor método contraceptivo; mas, em contrapartida, o mesmo percentual reconheceu já ter tido relações sexuais sem o uso de preservativo.
— Entre os adolescentes o medo de engravidar é mais presente do que o de contrair o vírus HIV. Por isto, entre os jovens que tomam a pílula anticoncepcional, é tão comum abrir mão do preservativo — contou a médica Maria Helena Ruzany, diretora do Nesa.
Segundo a pesquisa, o jovem não usa camisinha por opção, nunca pela falta de informação. Em outra pesquisa com 1.034 jovens, os médicos do Nesa observaram que nos relacionamentos em que há violência entre o casal a camisinha é descartada.