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ONU reconhece direitos dos gays

25/04/2003 - A TARDE (BA)

Comissão de Direitos Humanos discutirá a resolução.

A Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas discutirá resolução que protege os homossexuais

Esta semana aconteceu uma grande vitória na Organização das Nações Unidas (ONU). Não, você não leu errado. Depois de terríveis notícias de Nova Iorque e Genebra, mês após mês, a ONU preparou para o mundo uma nova marca d’água na história da batalha pela igualdade de homens gays e lésbicas.

Até agora, a ONU tem reagido à homofobia com um ineficaz silêncio. Comprometida com países que têm um ódio mortal por homossexuais, a ONU ignorou educadamente a dignidade de pessoas que nasceram para ser sexualmente atraídas pelo mesmo gênero. Até agora.

Depois de 50 anos de luta de homossexuais veteranos, a Comissão de Direitos Humanos da ONU vai estar discutindo o esboço de uma resolução entitulada "Direitos Humanos e Orientação Sexual". A resolução conclama - pela primeira vez - "a todos os países a promover e proteger os direitos humanos de todas as pessoas discriminadas por sua orientação sexual".

Há apenas uma década atrás, tal fato seria algo impossível de ser dito no coração da comunidade global. A extensão dos direitos humanos que discute a inclusão dos direitos relativos à orientação sexual é surpreendentemente recente.

A Anistia Internacional, por exemplo, somente deu início a campanhas para prisioneiros encarcerados por causa de sua orientação sexual em 1992.

A Organização Mundial de Saúde, um organismo da ONU, somente deixou de classificar a homossexualidade como doença no mesmo ano. Mesmo estes eventos podem ser considerados a culminância de uma dolorosa batalha de 30 anos.

O mais impressionante é que a resolução corrente não teve origem nas mãos de europeus nem de americanos - que são geralmente considerados mais "avançados" no assunto de direitos de homossexuais -, mas é fruto da inspiração do novo governo brasileiro, conduzido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, resgatado a partir do que fora idealizado por Thabo Mbeki, na África do Sul. Cada um destes países possui uma história de um frígido conservadorismo social; o que, felizmente, parece estar começando a descongelar. Ninguém pode acusar estes dois governos de manter uma atitude "colonialista" ou de estar ampliando exclusivamente direitos "ocidentais".

Eles estiveram abertos a discutir este assunto anteriormente, mas sofreram oposição de países muçulmanos e do Vaticano. (Isto levanta uma questão: por que a Igreja Católica, isolada dentre várias religiões no mundo, tem seu próprio lugar cativo na ONU, especialmente quando consideramos algumas pessoas desprezíveis do Vaticano e seus pontos de vista repulsivos).

O fato de que estes países estão se sentindo desconfortáveis para expressar seu preconceito a homossexuais num fórum internacional é também um pequeno sinal de progresso.

Por mais importante que seja, este debate da ONU ainda não pode por si mesmo extinguir o preconceito mundial contra homossexuais, que tem chocado a todos com a velocidade e violência com que acontece.

A enorme e despreocupada comunidade gay britânica às vezes age como se a luta pelos direitos de homossexuais estivesse ganha, mas em muitas outras partes do mundo, o tratamento que derrubou Oscar Wilde naquele país há um século atrás poderia ser considerado moderado.

PERSEGUIÇÃO - No Egito - do "amigo" inferior da Grã-Bretanha, Hosni Mubarak -, acontecia há alguns anos um grotesco espetáculo de julgamento de mais de 50 homens homossexuais acusados de "devassidão". O crime que cometeram foi realizar uma festa num barco com outros homens homossexuais, pelo que eles tiveram que encarar 20 anos numa perigosa prisão.

Homens gays foram judicialmente punidos em 2003, sendo decaptados na Arábia Saudita, empurrados em um penhasco no Irã, apedrejados até a morte no Iêmen e açoitados na Malásia e no Paquistão. Homossexuais foram extrajudicialmente caçados por esquadrões de morte na Colômbia, perseguidos no mar e afogados na Jamaica, surrados e aprisionados na Turquia.

O governo britânico melhorou bastante a situação internacional. Escritórios de Relações Exteriores elaboraram apresentações para o Egito sobre seus abusos a direitos humanos e deram início à inclusão da repressão a homossexuais.

Na visão de Tony Blair, juízes britânicos começaram a aceitar pedidos de asilo de pessoas que sofrem perseguição por conta de sua sexualidade. Do começo dos anos 80 ao final dos anos 90, homossexuais romenos e iranianos foram enviados de volta da Grã-Bretanha para seus países de origem para terem uma morte certa.

Algumas pessoas poderiam achar que a luta em busca dos direitos veteranos de gays - diante de tanta miséria que se vê ao redor do mundo - pode acabar perdendo o rumo.

Quantos gays adolescentes árabes aterrorizados vão imaginar que existe um mundo lá fora onde nem todas as pessoas homossexuais vivem num mundo externo de terror e num mundo de pavor interno? É claro que as mudanças virão a longo prazo para muitas pessoas, mas nós estamos tentando dar a volta em 2 mil anos de história e isto levará tempo. Mas se nós lutarmos, chegaremos lá.