Notícias

HEMOFÃLICOS CONTAMINADOS

06/06/2004 - O Globo

Guerra judicial contra laboratório

Hemofílicos que teriam sido contaminados decidem processar empresa nos EUA

Hemofílicos brasileiros contaminados pelos vírus da Aids e da hepatite C, supostamente pelo uso de um medicamento fabricado pelo laboratório americano Baxter, pretendem processar a empresa na Corte de Chicago. O Baxter, um dos laboratórios envolvidos na Operação Vampiro, fornece aos hemofílicos do Brasil o Fator 8, um hemoderivado coagulante. Os consumidores contaminados acusam a empresa de ter usado sangue de pessoas doentes na fabricação do produto.
Cerca de 200 hemofílicos se reuniram sexta-feira, no Rio de Janeiro, para discutir a estratégia judicial. Eles alegam que ficaram doentes ao consumir o Fator 8 produzido pela Baxter entre 1978 e 1990. Calcula-se que mais de dez mil hemofílicos brasileiros foram contaminados pelas substâncias produzidas pelo Baxter, que já responde a um grande processo nos Estados Unidos pelo mesmo motivo.
O livreiro Luiz de Souza e Silva, um dos organizadores do movimento, disse que usava o produto da Baxter quando foi contaminado pelo vírus da hepatite C. Segundo ele, o laboratório americano, para fabricar o Fator 8, precisava na época de sangue contaminado pela hepatite B, pois o organismo produz um antígeno usado na fabricação do hemoderivado.
— Foi descoberto que o laboratório colhia sangue nos presídios e entre pessoas integrantes de grupos de risco entre 1978 e 1990. Chegavam a publicar anúncios em revistas especializadas para determinados públicos — disse Silva.
A reunião foi convocada pelo Núcleo de Atendimento Jurídico aos Hemofílicos. O objetivo da mobilização, explicou o advogado Leonardo Amarante, foi esclarecer os hemofílicos sobre a possibilidade de receberem indenização moral e material.
Professor de direito e procurador do estado, Amarante explicou que a idéia é fazer com que os hemofílicos brasileiros passem a figurar como vítimas em um processo já em tramitação na Corte de Chicago. A ação foi ajuizada em agosto do ano passado.
A hemofilia é a mais conhecida das doenças de coagulação. Ocorre quando falta uma substância vital (Fator 8) para que o sangue coagule. Sem ele, as hemorragias são incontroláveis. O remédio é caro, razão pela qual praticamente todos os hemofílicos dependem do produto fornecido pelo setor público.
Em 1985, o órgão responsável pelo setor nos Estados Unidos passou a exigir a desinfecção dos hemoderivados. E o produto foi destinado ao Brasil e a outros países periféricos. No mundo, há cerca de 100 mil hemofílicos contaminados. Luiz de Souza e Silva disse que as provas da contaminação são contundentes, mas a maioria das vítimas no Brasil já não poderá participar da batalha judicial:
— Tem mais hemofílico que consumiu este medicamento morto do que vivo.
A Operação Vampiro, da Polícia Federal, investigou lobistas e servidores acusados de fraudar licitações para a compra de derivados de sangue. Como desdobramento da operação, a Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça está investigando a suspeita de formação de cartel pelas empresas que forneciam hemoderivados ao Ministério da Saúde.
A investigação terá como alvo dez empresas, as principais do setor, entre elas a Baxter Export Corporation. Informada sobre o movimento dos hemofílicos, a Baxter optou por divulgar uma nota:
“A Baxter foi a pioneira no desenvolvimento de muitos dos concentrados de fator de coagulação para o tratamento da hemofilia hoje existentes no mercado mundial. A companhia sempre se preocupou em estudar e acompanhar todas as descobertas científicas que promovessem melhoria de qualidade e segurança para seus produtos. Após a comprovação da eficácia destas descobertas, a Baxter sempre tratou de aplicá-las apropriadamente nos processos de fabricação de seus produtos no menor período possível. A Baxter vem demonstrando seu comprometimento com a qualidade e a segurança de seus produtos através de sua história, sempre trazendo ao mercado mundial novos produtos para o tratamento da hemofilia, obtendo continuamente resultados positivos na qualidade de vida das pessoas com hemofilia”.