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PEDRO CHEQUER REASSUME PROG. NACIONAL

03/08/2004 - Agência Aids

Troca na Coordenação Nacional de Aids

O médico sanitarista e epidemiologista Pedro Chequer tomou posse hoje à tarde como novo coordenador do Programa Nacional de DST/AIDS, do Ministério da Saúde. Chequer é especialista em saúde pública e dermatologia sanitária, e mestre em epidemiologia pela Universidade da Califórnia em Berkeley (EUA). Foi um dos principais articuladores da política brasileira de resposta à epidemia da Aids. Esteve à frente do Programa Nacional entre agosto de 1996 e março de 2000, quando deixou a instituição para assumir o posto de representante do Programa Conjunto das Nações Unidas em HIV/AIDS (UNAIDS) no Cone Sul. Em 2002, ocupou o mesmo cargo na Rússia e em 2004 assumiu a coordenação interina do Programa de Aids em Moçambique. Em julho deste ano, assumiu o escritório do UNAIDS no Brasil, até ser convidado pelo ministro da Saúde, Humberto Costa, para assumir a coordenação do Programa Nacional de DST/AIDS.
Leia a seguir o discurso proferido por Pedro Chequer por ocasião de sua posse em Brasília:
Inicialmente, gostaria de agradecer ao ministro Humberto Costa e ao secretário de Vigilância em Saúde, Jarbas Barbosa, pelo convite para participar de sua equipe. É para mim uma grande honra estar retornando à direção do Programa de DST e AIDS e recebê-lo das mãos do companheiro Alexandre Grangeiro, com quem tivemos a oportunidade de conviver por vários anos e quem tão apropriadamente o conduziu, com compromisso e competência. Programa que junto a outros companheiros e companheiras, sob a direção de Dra. Lair Guerra, em meados dos anos 80, tivemos o privilégio de construir desde a primeira pedra, e que tem sido motivo de orgulho de todos nós brasileiros. É também, para mim, uma grande honra poder participar do governo do presidente Lula, governo pelo qual tanto lutamos durante os vários embates eleitorais, como cidadão, como militante e membro do partido. Hoje, este governo é uma realidade.
Permitam-me, neste momento, trazer algumas reflexões e compartilhar algumas propostas de trabalho, propostas estas que acreditamos venham a contribuir para as ações e atividades do controle da Aids no Brasil.
Sem nenhuma sombra de dúvida, a nossa DIRETIRZ NORTEADORA é o fortalecimento do Sistema Único de Saúde, a inserção do programa de DST/AIDS na rede básica, de modo a garantir a sua sustentabilidade enquanto ação continuada de saúde publica. A partir dessa premissa, analisamos e discutimos com nossa antiga e nova equipe alguns referenciais estratégicos e de ordem técnica.
Como todos sabemos, um dos grandes fatores de sucesso do Programa tem sido a sua fundamentação técnica. Num primeiro momento, fundamentação baseada na experiência internacional para, ao longo do percurso e a partir da nossa própria experiência, se converter em referência de experiência bem sucedida em todo o mundo. A continuidade das ações fundamentadas cientificamente, e que provaram ser operacionalmente viáveis, será uma das características de nossa gestão. Temos claro, portanto, ser imprescindível sua manutenção e ampliação de sua cobertura.
Cobertura, por sinal, é um aspecto referencial de direitos humanos no enfrentamento de problemas de saúde publica. Cobertura adequada nas ações de prevenção, assistência, de acesso a tecnologias de diagnóstico e tratamento, norteados nos princípios que regem o Sistema Único de Saúde, representam nosso compromisso estratégico com vistas à busca de alternativas que reduzam esta iniqüidade.
Um segundo aspecto diz respeito à construção e implementação de ações inovadoras. A manutenção do Brasil enquanto referência mundial, sem sombra de dúvida depende dessa perspectiva. Não queremos e nem podemos repousar nos louros do passado ou do presente que estamos a construir, mas é fundamental e imprescindível que avancemos mais e mais para mantermos o Brasil na vanguarda da área de controle do HIV/AIDS. E, para tanto, imperativo se torna inovar.
Inovar na adoção de estratégias, adequadas e condizentes com a realidade e exigências da epidemia hoje e numa perspectiva futura. Inovar na adoção de novas tecnologias que venham a contribuir para a melhoria do acesso e qualidade dos serviços prestados pela rede do Sistema Único de Saúde. A humanização dos serviços e o respeito aos direitos do cidadão, a busca da eqüidade de gênero, raça e etnia e a redução das desigualdades no acesso, fruto das desigualdades sociais e regionais, são aspectos cruciais a serem observados.
A riqueza de conhecimento que se nos apresenta, a partir da nossa própria experiência e da experiência de tantos outros países, nos permite, com segurança, caminhar nessa direção. Nos propomos a resgatar, dentre tantas outras, uma dívida crônica com que nos deparamos no Sistema: a implantação de estratégias de Saúde Publica na área de outras infecções transmitidas sexualmente. Apesar dos esforços, muito pouco avançamos nessa área, e se avançamos, não o fizemos de modo a responder às necessidades ou de modo compatível com a tecnologia disponível. O Programa de DST/AIDS, nessa perspectiva, deixa de ser visto como Programa de AIDS unicamente, mas como Programa de AIDS e Outras Infecções Transmitidas Sexualmente.
Permita-nos pontuar algumas questões de ordem técnica, que em consonância com as políticas estabelecidas no âmbito da Secretaria de Vigilância em Saúde, entendemos essenciais para implementação nessa nova fase da epidemia em nosso país.
Na área de Epidemiologia e Vigilância do HIV e Outras Infecções de Transmissão Sexual: Produção da informação com vistas à tomada de decisão e desenho de estratégias no âmbito do Sistema Único de Saúde, a partir de um elenco mais amplo de base de dados. A utilização dos dados clássicos na área de epidemiologia, apesar de necessários, não é suficiente para subsidiar as diversas estratégias e desenhos de intervenção no campo do HIV/AIDS e outras infecções de transmissão sexual. A Aids, em particular, supera o campo da saúde e avança para outras áreas do conhecimento; portanto, a produção da informação necessariamente envolve, além de aspectos relativos ao comportamento humano, a análise de aspectos culturais, econômicos, demográficos, questões relativas à desigualdade de gênero, estigma e discriminação de populações mais vulneráveis.
A contextualização do problema remete, portanto, para uma abordagem mais abrangente, no que diz respeito às relações causais, do ponto de vista de sua multicausalidade, bem como suas implicações do ponto de vista de impacto para a sociedade como um todo. A produção da informação, portanto, passará a contemplar essa dimensão, permitindo assim subsídios necessários e imprescindíveis para a tomada de decisão.
Desde o início da epidemia, os parâmetros de prevalência da infecção pelo HIV têm sido utilizados como referência para a estimativa de sua magnitude. A introdução da terapia anti-retroviral em 1997 trouxe um aumento considerável na sobrevida dos pacientes. Diante desse fato, o diferencial observado entre dois cortes transversais de prevalência deixa de servir como referência para a estimativa da tendência da epidemia. Adotaremos, portanto, estratégias e novas tecnologias de modo a estabelecer parâmetros de incidência da infecção, indicador que passará a ser a nossa referência para a avaliação de impacto das ações e estratégias implementadas. Este será um importante salto qualitativo e que virá a reforçar as atividades propostas na área de monitoramento e avaliação. A adoção de mecanismos que permitam a interface entre os diversos bancos de dados, como SINAN, AIH, Sistema de Mortalidade e Sistema de Nascidos Vivos, de modo sistematizado e operacional, é uma outra estratégia a ser implementada, melhorando e aperfeiçoando, portanto, a vigilância da Aids, reduzindo a ocorrência de sub-registro de casos e, conseqüentemente, permitindo a obtenção de dados mais próximos da realidade epidemiológica.
A adoção do método científico, no que concerne a introdução rotineira da amostragem probabilística para a estimativa de prevalência e tendência de determinados eventos passa a ser a norma e rotina de nossas atividades. Nesse sentido, adotaremos o município como unidade amostral na implantação da vigilância de eventos clínicos, efeitos farmacológicos e vigilância de óbitos por Aids segundo causas. Importante salto qualitativo será dado, portanto, permitindo o aperfeiçoamento do planejamento de atividades na área de assistência e melhoria da qualidade na dispensa de serviços aos pacientes.
A área da assistência médica, em parceria com a Secretaria de Atenção à Saúde e demais níveis do SUS, envolvendo uma aliança estratégica com o CONASS e CONASEMS, a ampliação do acesso ao diagnóstico da infecção pelo HIV e outras DST passará a incorporar novas tecnologias, reduzindo o tempo de espera para o resultado, de dias ou semanas para apenas alguns minutos, principalmente em regiões onde a precariedade de uma rede adequada de laboratórios ainda não pode ser superada. A adoção do teste rápido, tecnologia cientificamente comprovada, acompanhada do aconselhamento pré e pós teste, não apenas em Centros de Testagem e Aconselhamento, mas também na rede básica de saúde, permitirá esse salto tecnológico, possibilitando a ampliação do acesso ao diagnóstico e conseqüentemente, a intervenção em tempo apropriado e oportuno.
A adoção dessa estratégia deverá ser acompanhada da ampliação da capacidade instalada da rede de serviços com vistas a oferecer atendimento imediato àqueles que necessitam da terapia anti-retroviral, assegurando desse modo melhor condição de vida aos nossos pacientes.
Com vistas a manter o Brasil na vanguarda nas políticas públicas de saúde na área de Aids, a introdução da terapia combinada/dose fixa é uma das metas a serem atingidas a curto prazo. Para tanto, a produção estatal de medicamentos deverá receber atenção especial com vistas a concluir etapas finais que garantam a confiabilidade da estratégia e, como resultante, o aumento do grau de adesão e melhoria da qualidade de vida dos pacientes.
A ampliação da capacidade instalada da rede de CD4 e Carga viral é tarefa urgente e mandatória, objetivando a redução do tempo de espera para o início do tratamento e adoção de novos esquemas terapêuticos, ampliando a perspectiva de melhoria de qualidade de vida e sobrevida dos pacientes. O acesso à medicação para tratamento de doenças oportunistas, compromisso pactuado por estados e municípios, tem sido um importante problema na área da assistência. O estabelecimento de mecanismos que garantam, por parte de estados e municípios, o cumprimento do pacto estabelecido, é importante tarefa com a qual nos deparamos. O estabelecimento de uma parceria sólida com o Fundo Nacional de Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, CONASS e CONASEMS, ao lado do fortalecimento do controle social, são estratégias que vislumbramos para equacionamento dos problemas existentes.
Com vistas a subsidiar e fortalecer as ações preconizadas pelo Programa HumanizaSUS e QUALISUS, implantados neste governo, a adoção de pesquisas sistemáticas quanto ao grau de satisfação do cliente é estratégia a ser implementada, e seus resultados, como referência para ações de qualificação de pessoal da rede e revisão e aprimoramento de rotinas nos serviços. Na área de prevenção, priorizar políticas que fortaleçam intervenções comunitárias e de mobilização social em parceria com Estados, municípios e o movimento social é o nosso alvo, com vistas à institucionalização das atividades de DST e Aids.
Concentraremos esforços nas ações de prevenção voltadas para as populações mais vulneráveis, pessoas que vivem com o HIV/AIDS, jovens em particular, pessoas que vivem em situação de pobreza, órfãos, usuários de drogas injetáveis e não injetáveis, homens que fazem sexo com homens, profissionais do sexo e populações confinadas. A ampliação e fortalecimento das atividades de promoção à saúde e educação sexual nas escolas, incorporando crianças e pré-adolescentes é o grande desafio, com vistas à preparação de novas gerações para o enfrentamento da epidemia pelo HIV e outras infecções sexualmente transmissíveis. O acesso gratuito ao preservativo para a população sexualmente ativa, notadamente aquelas mais vulneráveis e que vivem em situação econômica adversa, o que entendemos como dever do Estado, será ampliado e fortalecido. Buscaremos respeitar a diversidade cultural e religiosa existente em nosso país, somando esforços no enfrentamento da epidemia. A ação educativa através de campanhas nacionais será ampliada e reforçada, entretanto, especial ênfase será dada às abordagens regionais, respeitando a cultura e forças mobilizadoras locais.
Temos clara a grande dívida que ainda temos em relação à prevenção da transmissão vertical do HIV e da sífilis. O medicamento está disponível, mas algumas deficiências perduram: deficiências na área de diagnóstico e carência no envolvimento pleno de profissionais de saúde. O grande desafio que assumimos é desenhar estratégias sólidas para a incorporação de ações que garantam a cobertura universal ao diagnóstico e tratamento de gestantes e acompanhamento adequado das crianças afetadas.
Alcançaremos esta grande meta em parceria com as instâncias do SUS e especialmente em um trabalho integrado com a área técnica da Saúde da Mulher e da Criança.
Ao lado das questões de assistência e prevenção e como parte integrante destas, o fortalecimento das redes sociais no seu papel de controle social do Estado na formulação e implementação de políticas públicas é uma ação que será ampliada e fortalecida. Desnecessário dizer sobre o meu entendimento sobre essa parceria e dos resultados obtidos pelo Brasil sob essa perspectiva.
A ampliação e fortalecimento de estratégias que visem o fortalecimento e a sustentabilidade das organizações não governamentais é um outro desafio, desafio que enfrentaremos com compromisso e de modo sólido, em parceria com as instâncias do SUS e envolvimento permanente desses atores sociais.
Na área de cooperação externa, que tivemos oportunidade de coordenar os primeiros passos em meados dos anos 90, buscaremos fortalecer e ampliar os acordos já celebrados, dentro do respeito à autonomia e particularidades culturais, na perspectiva dos princípios que regem a cooperação horizontal. A América Latina e os países de língua portuguesa, áreas prioritárias do governo Lula, serão também nossas áreas prioritárias, especialmente aqueles países que enfrentam dificuldades econômicas mais sérias. Na área de pesquisa, o grande desafio é a incorporação dos resultados na rotina dos serviços, sua disseminação para aqueles que deles necessitam e sua tradução do ponto de vista operacional, serão estratégias a serem adotadas.
O fortalecimento da produção estatal de insumos de laboratório, medicamentos e o início da produção estatal de preservativos no Estado do Acre; o desenvolvimento de novas moléculas, representam passos definitivos para a sustentabilidade de nossas ações na área de prevenção, diagnóstico e tratamento.
A transversalidade das ações, a garantia do respeito aos direitos humanos, a abordagem holística na atenção à saúde, são pilares essenciais e inalienáveis na formulação das respostas de enfrentamento da epidemia e compromisso deste governo, ao qual passamos a nos integrar neste momento.

Pedro Chequer