BOLETIM
VACINAS
E NOVAS TECNOLOGIAS DE PREVENÇÃO - Nº 33
PUBLICAÇÃO DO GIV - GRUPO DE INCENTIVO À VIDA - Novembro - 2019

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Boletim Vacinas e Novas Tecnologias de Prevenção Anti-HIV/AIDS - GIV

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SEXO + SEGURO
perspectivas no Canadá
MUDANDO AS NORMAS SOCIAIS EM TORNO DO “SEXO MAIS SEGURO”: PERSPECTIVAS DE HOMENS SORONEGATIVOS NO CANADÁ
Krishen Samuel, 20 de fevereiro de 2019

Alguns homens que fazem sexo com homens (HSH) HIV-negativos de Vancouver, Canadá, estão redefinindo maneiras de negociar a segurança e o risco sexuais, de acordo com pesquisa qualitativa publicada recentemente pelo Dr. Benjamin Klassen e colegas no BMC Public Health. Preservativos não são mais vistos como o único meio de prevenir a infecção pelo HIV.

Algumas estratégias de prevenção biomédica – incluindo o uso de profilaxia pré-exposição (PrEP) e tratamento como prevenção (TcP) – surgiram como motivos importantes para o uso inconsistente do preservativo entre homens HIV-negativos. Estes homens também adotaram estratégias “soroadaptativas”, tais como selecionar parceiros com base no seu estado soronegativo, e selecionar parceiros soropositivos que tivessem uma carga viral indetectável. Também, a preocupação constante com a possível infecção pelo HIV e a crença na alta eficácia do preservativo foram algumas das razões para continuar a usá-lo.

O serosorting ou soroadaptação refere-se a práticas sexuais entre pessoas que escolhem, segundo a sua percepção, os parceiros sexuais que consideram que têm a mesma sorologia para o HIV que elas mesmas, ou que optam por não usar o preservativo com estes parceiros. É claro que os cenários não são necessariamente tão simples como as pessoas soronegativas para o HIV terem relações sexuais com outras pessoas soronegativas, ou que as pessoas soropositivas para o HIV têm relações sexuais com pessoas soropositivas.

Os homens gay podem decidir qual dos parceiros é receptivo dependendo da sorologia para a infecção de cada um. Um homem soronegativo para o HIV pode considerar ser mais seguro ter relações sexuais sem o uso do preservativo com uma pessoa com carga viral indetectável do que com uma pessoa que afirma ser soronegativa para o HIV, mas que fez o teste há um ano ou mais. Contudo, ter estes comportamentos “soroadaptados” depende de cada pessoa e do nível de compreensão da comunidade sobre os fatores de transmissão da infecção pelo HIV e que podem ainda ser limitados pelo estigma.

Foram realizadas entrevistas semiestruturadas com 19 homens HIV-negativos (22-58 anos, mediana de 36 anos). Oito homens usaram a profilaxia pós-exposição (PEP), sete se envolveram com base nas cargas virais dos parceiros e dois estavam em PrEP. As perguntas das entrevistas estiveram focadas nas estratégias de prevenção que os participantes usaram, suas percepções dessas diferentes estratégias e suas avaliações das diferentes estratégias em termos de eficácia. Os pesquisadores conduziram uma análise temática considerando os fatores que influenciam a escolha da estratégia de prevenção, variando de níveis individuais a níveis de política de saúde. Esses temas são detalhados abaixo:

FATORES INDIVIDUAIS

Os participantes expressaram opiniões variadas sobre os preservativos, mas houve uma rejeição generalizada da noção de uso consistente de preservativos para todos os encontros sexuais. A maioria dos homens usou uma abordagem de prevenção combinada.

Houve uma rejeição generalizada da noção de uso consistente de preservativos para todos os encontros sexuais.

O desejo de aumentar o prazer sexual e a liberdade surgiu como um fator importante no nível individual quando se tratava de rejeitar preservativos.

“Muitos caras quando ouvem a palavra ‘preservativo’ ou apenas ouvem o envelope abrindo... eles perdem a ereção imediatamente.” Jordan, 25 anos.

“Eu sempre entendi a necessidade de preservativos, mas eu sempre os odiei; eles tiram muito da experiência e a tornam um saco...” Dan, 46 anos.

Os homens citaram mais casos de sexo sem camisinha ao usar substâncias.

“As drogas ou o desejo de prazer excedem a precaução naquele momento. E eu me arrependi muito dessas decisões.” Kevin, 31 anos.

Os homens também explicaram que suas percepções de risco mudaram à luz dos avanços biomédicos. O HIV não era mais visto como uma sentença de morte e os homens que estavam em terapia antirretroviral, seja em PrEP ou indetectáveis, eram vistos como “parceiros para sexo mais seguro”.

O HIV não era mais visto como uma sentença de morte e os homens que estavam em terapia antirretroviral, seja em PrEP ou indetectáveis, eram vistos como “parceiros para sexo mais seguro”.

“Se... eles estão em PrEP ou estão... indetectáveis... Eu realmente não penso nisso... Eu realmente não vejo que haverá uma... transmissão, portanto não há nada para evitar.” Curtis, 25 anos.

FATORES DE RELACIONAMENTO

Nas interações com os parceiros sexuais, os participantes falaram sobre a necessidade de manter o clima e disseram que discutir o uso do preservativo interromperia a interação. Os homens queriam manter a intimidade no “calor do momento”:

“Estou consciente de fazer sexo segura, e isso é importante para mim, e de repente me encontro um momento em que não é importante para mim, e... eu gosto do jeito que me sinto sem camisinha, então eu passo isso por alto.” Homem de 28 anos.

A dinâmica do poder e a coerção também podem afetar o uso do preservativo:

“Se alguém é um pouco mais submisso, então eu sei que há algumas pessoas que tentam intimidar as pessoas para que não usem proteção...” Russell, 26 anos.

Além disso, alguns homens relataram o uso de arranjos de segurança negociados ou posicionamento estratégico para minimizar as chances de infecção:

“Eu estou apenas com um parceiro... quando decidimos que queríamos estar em um relacionamento monogâmico [concordamos] em ir... e fazer o teste juntos e sermos capazes de largar o preservativo”. Jordan, 25 anos.

“Tentamos procurar pessoas que são negativas ou indetectáveis e tendemos a ser apenas ativos. Mas entre nós fazemos de tudo.” George, 51 anos.

“Tentamos procurar pessoas que são negativas ou indetectáveis e tendemos a ser apenas ativos. Mas entre nós fazemos de tudo.” George, 51 anos.

FATORES COMUNITÁRIOS

No nível da comunidade, a aceitação generalizada do “barebacking” (sexo sem proteção alguma, ou sem preservativo) ficou evidente em muitas das respostas dos homens. Curiosamente, os homens frequentemente se referiam ao preservativo como uma estratégia de prevenção que outros poderiam usar, mas que não necessariamente funcionava para eles. Para muitos homens, houve um descompasso entre as intenções em relação ao uso do preservativo e a realidade.

“Certamente, cinco anos atrás, você nunca se depararia com isso. E hoje... o número de pedidos para bareback é apenas... exponencialmente superior de onde estávamos há dois anos.” Bob, 58 anos.

“A aceitabilidade social do barebacking parece ter evoluído.” Wayne, 36 anos.

“Preservativos são uma daquelas coisas como, você sabe, o uso do transporte público. É algo que você quer que todos os outros façam...”

“Preservativos são uma daquelas coisas como, você sabe, o uso do transporte público. É algo que você quer que todos os outros façam... Eles não gostam de usá-lo necessariamente, mas eles certamente não acham que qualquer outra pessoa deva ser capaz de se livrar e não usá-lo.”

“Na maior parte dos casos sou ativo, eu acho que está razoavelmente bem estabelecido que isso é um risco menor do que ser passivo.” Wayne, 36 anos.

Aqui, “bem estabelecido” indica que há uma compreensão mais ampla no plano da comunidade sobre o risco associado a certas posições sexuais. Assim, as estratégias soroadaptativas referidas não existem apenas no plano individual, mas também são proeminentes em níveis mais amplos.

FATORES POLÍTICOS

A ampla disponibilidade do tratamento para o HIV na Colúmbia Britânica, província do Canadá, onde se localiza Vancouver, bem como a educação pública sobre carga viral indetectável, impactaram a tomada de decisão sexual por esses homens HIV-negativos.

“O tratamento para manter a indetectabilidade é de tão alta qualidade aqui na Colúmbia Britânica, e se o seu problema é sobre você saber o quão adequado é o cuidado... talvez a ideia de se tornar positivo não seja tão assustadora como antes.” Aaron, 46 anos.

Alguns participantes expressaram que buscam parceiros baseados especificamente na carga viral indetectável e se sentem confortáveis com o sexo sem preservativo nesses encontros. De fato, para muitos homens neste estudo, buscar parceiros indetectáveis era visto como um meio eficaz de prevenção e muitas vezes era preferível aos preservativos.

Para muitos homens neste estudo, buscar parceiros indetectáveis era visto como um meio eficaz de prevenção e muitas vezes era preferível aos preservativos.

Além disso, os homens comentaram sobre o fato de que homens soropositivos também seriam testados para outras infecções sexualmente transmissíveis (IST) rotineiramente, tornando-os parceiros sexuais “mais seguros” não apenas em termos de HIV, mas também em termos de outras IST.

“...Quando alguém está compartilhando sua sorologia e sua carga viral e todas essas coisas comigo, eu sinto que há um nível de honestidade aí... Eu poderia estar excessivamente confiante, possivelmente... mas me sinto mais seguro nessa situação do que com caras negativos.” Aaron, 46 anos.

“Eles [pessoas com HIV] têm que fazer o teste todo mês, a cada três meses ou algo assim. Eles fazem exames de sangue de rotina, o que significa que provavelmente vão saber de qualquer outra IST que tenham, portanto... eles provavelmente estarão... ou livres de IST... ou serão tratados”. Curtis, 25 anos.

O PAPEL DOS PRESERVATIVOS NA PREVENÇÃO COMBINADA

Muitos homens expressaram ansiedade persistente em relação a pegar o HIV e não abandonaram completamente o uso do preservativo. Apesar da mudança das normas sociais e da confiança nos métodos de prevenção biomédica, os preservativos ainda eram vistos como a maneira mais eficaz de prevenir a infecção pelo HIV. Os preservativos foram descritos como um método de prevenção acessível e confiável.

Os preservativos foram descritos como um método de prevenção acessível e confiável.

“Se eu tivesse que escolher fazer sexo... num ambiente casual, eu teria um preservativo, porque eu não quero passar de novo pelo estresse de não saber se eu peguei algo.” Kevin, 31 anos.

Também foram levantadas preocupações em relação às questões sobre a revelação confiável quando se trata de estratégias de prevenção soroadaptativas e as desvantagens de confiar em métodos como a PrEP sem conhecer a adesão de um parceiro sexual. Assim, ficou evidente que os preservativos ainda tinham um papel importante, embora diminuído, a desempenhar na abordagem geral de prevenção dos homens.

“Ninguém é realmente HIV-negativo, a menos que você tenha feito o teste naquele segundo e tenha feito sexo no minuto seguinte, certo? Porque essa é a única maneira de saber que você fez sexo com alguém que é HIV-negativo.” Curtis, 25 anos.

CONCLUSÃO

Este estudo ilustra como algumas percepções dos HSH sobre o que constitui “sexo seguro” estão mudando, em consonância com a mudança das normas sociais e avanços biomédicos. Para a maioria dos homens entrevistados, uma abordagem de prevenção combinada pareceu ser mais realista, já que foi capaz de explicar fatores cruciais nos planos individual e comunitário. As políticas relativas ao tratamento como prevenção também moldaram a tomada de decisão de maneira mais indireta.

Para a maioria dos homens entrevistados, uma abordagem de prevenção combinada pareceu ser mais realista, já que foi capaz de explicar fatores cruciais nos planos individual e comunitário.

Embora ainda houvesse uma grande quantidade de ansiedade em torno da infecção pelo HIV (apesar de não ser mais vista como uma sentença de morte) e enquanto os preservativos eram frequentemente citados como o meio mais eficaz de prevenir a infecção, as melhores intenções e os comportamentos na vida real destes homens não combinavam.

Os autores sugerem que pesquisas dessa natureza têm implicações importantes para a saúde pública e que as intervenções de HIV que dependem exclusivamente de preservativos serão consideradas obsoletas para os HSH como os deste estudo. A expansão dos meios preventivos disponíveis para os homens resultou em novas definições do que constitui “sexo seguro”, com a indetectabilidade emergindo como um fator importante. Embora o preservativo não tenha sido descartado completamente, é importante que a saúde pública e as intervenções baseadas na comunidade reconheçam o papel de estratégias múltiplas e combinadas de prevenção e traduzam isso efetivamente em mensagens de prevenção do HIV destinadas a HSH.

REFERÊNCIAS:
• Klassen BJ et al. “Condoms are… like public transit. It’s something you want everyone else to take”: Perceptions and use of condoms among HIV negative gay men in Vancouver, Canada in the era of biomedical and seroadaptive prevention. BMC Public Health 19: 120, 2019.

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